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Programa de Transferência do Conhecimento em Organização Pública de Saúde Canadense

Assunto principal: Assunto 1


O Centro de Serviços Sociais e de Saúde La Pommeraie (Centre de santé e services sociaux La Pommeraie - CSSSLP), localizado na região de Montérégie, Quebec, Canadá, contava, em 2009, com 01 hospital com 85 leitos para tratamento de emergência, 5 centros de serviços comunitários e 4 centros de cuidados residenciais. Naquele ano, o quadro de colaboradores do centro era formado por 1.300 funcionários, 130 médicos e farmacêuticos, 500 voluntários e 441 enfermeiras. Desses, 27% tinham mais de 50 anos e apenas 20% tinham menos de 29 anos.

A organização enfrentava uma queda crescente no número de profissionais de enfermagem. Essa situação representava uma ameaça à qualidade dos serviços prestados, além de representar um risco de perda do conhecimento organizacional na medida em que havia um elevado percentual de enfermeiros que estavam prestes a se aposentar.

Par resolver este problema, o CSSSLP decidiu implementar uma estratégia de transferência do conhecimento intergeracional. Para isso, o Centro recebeu o apoio do Laboratório de Gestão de Saúde e Experimentação em Governo cuja missão é promover a inovação em organizações de saúde da região de Montérégie. A estratégia inovadora de transferência do conhecimento foi colocada em prática mediante o Programa de Cooperação Intergeracional (PCI). A Acreditation Canada reconheceu a estratégia implementada em 2009 como prática de destaque. O CSSSLP concedia a 10 enfermeiras em final de carreira (EFC), anualmente, o benefício de um dia livre por semana de setembro a maio. Nesses dias, elas participavam de reuniões de treinamento com o objetivo de transmitir sua experiência profissional a enfermeiras em início de carreira (EIC). Esse evento foi denominado de Círculo de Legado de Carreira (Carreer Legacy Circle). Nessas reuniões, a missão das EFC era compartilhar informações e conhecimentos profissionais e orientar as EIC sem criticá-las.

Posteriormente, as EFC puderam transmitir sua herança profissional por meio de projetos personalizados de mentoria e narrativas. Na mentoria, uma EFC atuava como mentora de uma EIC e nos encontros de narrativas, as EFC compartilhavam histórias sobre como enfrentaram determinadas situações de trabalho. É importante destacar que a participação das EIC era voluntária e não era considerada como tempo de trabalho. No Círculo de Legado de Carreira, as EFC refletiam sobre sua vida profissional, compartilhavam experiências no grupo e identificavam seu principal legado para as EIC. Já nas sessões de mentoria, as EFC desempenhavam o papel de ensinar as EIC. As EFC aprenderam a ouvir sem julgar quando atuavam como mentoras das EIC. Assim, o conhecimento acumulado pode ser transferido para a nova geração por meio dos projetos personalizados de mentoria e narrativas. Nessas ocasiões, o conteúdo das discussões era confidencial e, portanto, não eram divulgadas. Um ano após o início da implementação da estratégia de transferência do conhecimento, nove EFC de cinco setores havia participado do Programa de Cooperação Intergeracional (PCI). Todas as EFC atuaram como mentoras de EIC nas sessões de mentoria e narrativas, com exceção de uma enfermeira que decidiu escrever um livro sobre sua vida profissional. Além disso, um total de 15 EIC passou pelo programa de mentoria e o Centro realizou várias sessões de narrativas.

Os resultados do PCI foram benéficos tanto para as EFC como para as EIC. As EFC perceberam nas sessões de mentoria e no Círculo de Legado de Carreira que elas tiveram experiências significativas nas suas vidas profissionais. Na tarefa desconfortável de análise introspectiva, as EFC desenvolveram uma sinergia importante com o grupo de EIC. Tal sinergia ajudou as EFC a conhecer melhor as novas colegas (EIC) e, por meio das narrativas, as EFC conseguiram identificar as habilidades que elas adquiriram ao enfrentar a difícil realidade do ambiente de trabalho. Uma EFC afirmou: “(...) O PCI me ajudou a perceber a quantidade conhecimentos que eu adquiri ao longo da minha carreira e como tais conhecimentos são úteis para as minhas colegas (EIC)”. A percepção que tinham um conhecimento essencial, motivou as EFC a ajudar as EIC compartilhando com elas conselhos, técnicas específicas, ideias e experiências relevantes da sua prática profissional e história pessoal. Um gerente afirmou: “(...) Ao olhar para si mesmas, as EFC ganharam a confiança que precisavam para ajudar as EIC”. As EFC afirmaram que o PCI as ajudou a conhecer melhor as EIC e como elas poderiam contribuir para o aprendizado das colegas. As EFC passaram a se sentir na obrigação de ajudar a construir um ambiente de trabalho onde as EIC receberiam apoio das suas colegas mais experientes. Assim, as EFC se dispuseram a facilitar o aprendizado das EIC sobre como desempenhar suas atividades diárias. As sessões de mentoria ocorreram em locais neutros (restaurantes, cafés, etc.) a cada duas ou três semanas por uma a duas horas. Nas reuniões, duas pessoas (uma EFC e uma EIC) discutiam assuntos levantados pela EIC em relação à experiência das EFC. Algumas pessoas compartilham conhecimento por e-mail. Assuntos específicos relacionados ao know how da profissão eram discutidos, tais como: como lidar com a família do paciente difícil e com ele próprio e como se relacionar com outros profissionais de saúde (médicos, farmacêuticos, etc.). Sobre esses encontros, uma EIC afirmou: “(...) Estas coisas não estão escritas em livros (...) É conhecimento prático, são habilidades. Nos livros, nós lemos exemplos fáceis onde a realidade é bem definida. Mas, tais exemplos nunca acontecem na realidade. Nunca é tão simples”. As sessões de mentoria eram planejadas com base nos erros e acertos das EIC nas semanas anteriores. Tais experiências serviam de tópicos para discussão.

Os conselhos das EFC eram, as vezes, relacionados à vida particular das EIC, tal como como dividir o tempo entre família e trabalho. Muitas conversas eram sobre atividades do dia-a-dia da organização. Como os hospitais são diferentes, as EFC tornaram-se guias do Centro de Serviços Sociais e de Saúde La Pommeraie para as EIC. O know how transferido variava de questões de rotina de um determinado departamento ao telefone de contato de uma pessoa para resolver problemas administrativos, tais como: como se inscrever em processo seletivos internos para ocupar determinadas vagas. O compartilhamento ajudou as EIC a entender melhor o funcionamento dos departamentos da organização, assim como a conhecer as oportunidades existentes no local de trabalho. As sessões de mentoria e os encontros do grupo de narrativas serviram de fóruns para o compartilhamento dos bons e maus momentos do dia-a-dia de trabalho. Sobre isso, uma EFC afirmou: “(...) Na verdade, embora as atividades na área de enfermagem sejam desgastantes o que é mais difícil não é o aspecto físico, mas o emocional. É difícil lidar de maneira contínua com doença e morte. Nós precisamos aliviar nossas tenções, mas não durante as atividades profissionais. As reuniões do Programa de Cooperação Intergeracional (PCI) foram maravilhosas para atender esse tipo de necessidade”. Os encontros (mentoria e narrativas) permitiram que as EFC contribuíssem também para o desenvolvimento pessoal das EIC ao compartilhar com elas como reagiram ao vivenciar certas situações (a morte de um paciente pela primeira vez, por exemplo). Outro aspecto importante também foi o fato das EIC terem gostado muito da liberdade de fazer perguntas sobre coisas do dia-a-dia do trabalho.

A avaliação do PCI indicou que houve mais transferência do conhecimento das EFC para as EIC nos projetos pessoais (mentoria e narrativas), embora alguns documentos valiosos tenham sido produzidos e distribuídos na organização, tais como: livro com histórias sobre como lidar com pacientes terminais e listas de verificação de procedimentos diversos (elaborados ou atualizados). O Centro de Serviços Sociais e de Saúde La Pommeraie implementou o Programa de Cooperação Intergeracional (PCI) para enfrentar o problema da crescente falta de enfermeiras no mercado de trabalho o que poderia prejudicar a qualidade dos serviços da instituição pública canadense. Além disso, o PCI ajudou a minimizar o risco de perda de conhecimento devido ao elevado percentual de enfermeiras prestes a se aposentar. Como o envelhecimento da população, as organizações capazes de promover a transferência do conhecimento intergeracional terão melhores condições de manter ou melhorar seu desempenho. A experiência desta organização pública de saúde mostra que o valor dos profissionais mais velhos não deve ser subestimado. A organização deve promover a interação de profissionais experientes e não experientes para viabilizar a transferência do conhecimento. Este caso mostra que práticas de gestão do conhecimento como mentoria e narrativas podem ser utilizadas para conectar as gerações; reconhecer o valor do conhecimento e habilidades dos profissionais mais experientes; estimular o desejo de compartilhar conhecimento; e acelerar o aprendizado dos novos colaboradores.

Fonte:
HARVEY, J-F. Managing organizational memory with intergenerational knowledge transfer. Journal of Knowledge Management, vol. 16, no 3, 2012, pp. 400-417.