Proposta que estabelece sistema federal de ouvidorias estimula conselhos consultivos

08/09/2014

A criação de um sistema federal de ouvidorias é tema de projeto de lei elaborado pelo Centro Brasileiro de Estudos Sociais e Políticos, entidade da sociedade civil, e foi encaminhado ao Congresso Nacional recentemente com o intuito de organizar normas de funcionamento das ouvidorias nos níveis federal, estadual e municipal, além de estabelecer atribuições dos ouvidores.

O site Participação em Foco entrevistou o autor da proposta, Rubens Lyra, especialista em ouvidorias e presidente da Cebesp.

Participação em Foco: Você poderia explicar como surgiram as ouvidorias no país? O modelo institucional vigente é parecido com o desenvolvido nos países vizinhos?

Rubens Lyra: O processo de construção das ouvidorias aqui é radicalmente diferente dos processos de constituição dos chamados ombudsmans, que na América Latina, com exceção do Chile, são denominados defensores do povo. Em 1987, o Congresso Constituinte rejeitou a proposta de criação do ombusdman no Brasil. O projeto foi acolhido na primeira comissão, a comissão de estudos constitucionais presidida por Afonso Arinos, mas não seguiu adiante e ficou excluído do debate da Constituinte em virtude de um forte lobby de pressão do Ministério Público. Depois da Constituinte, criaram-se ouvidorias nos diferentes estados da federação. A primeira ouvidoria se estabeleceu no estado do Paraná em 1990, depois de uma experiência pioneira em Curitiba, em 1986, que subsistiu apenas por um ano, e foi reativada recentemente. Depois disso, se instituíram ouvidorias nos estados de modo desordenado. A ouvidoria de Minas Gerais tem um modelo único em que o ouvidor tem o status elevado de secretário de Estado, possui mandato e a lei estabelece que é independente entre os poderes do estado.

Participação em Foco: Qual a diferença entre ouvidorias e ombudsmans?

Rubens Lyra: O instituto do ombudsman se distingue pelo fato de atuar também no âmbito judicial, com legitimidade ativa para ajuizar ações, enquanto as ouvidorias têm atribuições administrativas. As ouvidorias funcionam como uma magistratura da persuasão, não têm poder coercitivo nem de impor nada, não é órgão da administração, funciona como órgão de interlocução entre sociedade e administração pública, utilizando persuasão, recomendação, mediação, avaliação, diálogo. No Brasil não existe o ombudsman defensor do povo. O ombudsman nacional nesses países tem status correspondente a de ministro de Estado, eleito pelo Parlamento e têm total autonomia. Eu estive na Espanha há dois meses e conversei com o ouvidor de Portugal, que é chamado de provedor de justiça, é eleito pelo órgão máximo, o Parlamento, por dois terço de votos, não pode ser preso e está no topo da hierarquia das autoridades da República.

Participação em Foco: E quanto aos desafios das ouvidorias hoje no país?

Rubens Lyra: O que se procura aqui no Brasil não é atribuir à ouvidoria as prerrogativas do ombudsman, porque isso não pode ser feito. É o Ministério Público que tem prerrogativa constitucional, a exemplo do ombudsman, de exercer em âmbito judicial a da defesa dos direitos fudamentais. No plano administrativo, da interlocução e da persuasão, a ouvidoria tem o dever fundamental de agir como defensora do cidadão. No entanto, mais de noventa por cento das ouvidorias são subordinadas ao gestor por critérios político-partidários no Poder Executivo. O Poder Judiciário e o MP têm ouvidorias e o grau de autonomia é diferente. O problema das ouvidorias do executivo é que os ouvidores são nomeados pelo governador, pelo prefeito, sem mandato, sem atribuições, um apêndice da administração e totalmente subordinado a elas.

Participação em Foco: Como e quando surgiu a ideia de elaborar um projeto de lei para a criação de um sistema federal de ouvidorias?

Rubens Lyra: Eu visitei as comissões de legislação participativa da Câmara dos Deputados e do Senado, e divulguei aos presidentes das comissões o livro que organizei "A ouvidoria pública no Brasil – modelos em disputa". Eles sugeriram que eu apresentasse um projeto de lei. Eu disse que não tinha tempo, mas verifiquei que com a minha longa experiência nessa questão talvez não fosse uma tarefa hercúlea. Como presidente um entidade da sociedade civil, o Centro Brasileiro de Estudos Sociais e Politicos (Cebesp), escrevi o projeto. A ideia é permitir a difusão ampla de uma proposta inexistente de criação de ouvidorias autônomas e democráticas. O projeto propõe que as ouvidorias brasileiras, que têm relativa autonomia, consolidem essa autonomia e que as atribuições do ouvidor estejam claramente estabelecidas do mesmo modo que os órgãos de interlocução da sociedade.

Participação em Foco: Atualmente a Ouvidor-Geral da União é parte da Controladoria-Geral da União. No projeto, há essa desvinculação?

Rubens Lyra: No projeto, o ouvidor é de primeiro escalão e tem status de ministro de Estado. Hoje o Ouvidor-Geral da União é nomeado pelo Controlador-Geral da União. Na proposta ele é escolhido pelo Congresso Nacional, com indicação de nomes provenientes da sociedade civil. O atual ouvidor não tem atribuições efetivas de interlocução com a sociedade. Eu destaco também a existência de conselhos consultivos, que existe na ouvidoria de polícia do estado de São Paulo, e se aproxima do modelo ideal de autonomia. O conselho consultivo teria o propósito de acompanhar a atividade do ouvidor.

Participação em Foco: O que se altera na proposta em relação aos conselhos consultivos?

Rubens Lyra: Há no mínimo 3 mil ouvidorias públicas no Brasil e algumas dezenas de conselhos consultivos. Pelo projeto cada ouvidoria deverá ter um conselho consultivo, o que é algo simples e não implica encargos. Há um outro sistema de escolha, a nível municipal, que considero ainda mais legítimo, mas que não havia como propor. Na cidade de Santo André,  o ouvidor é escolhido por entidades da sociedade.

Participação em Foco: Você propõe que a nomeação do ouvidor da OGU faz cessar automaticamente o mandato dos titulares nas ouvidorias da administração direta e dos integrantes dos conselhos consultivos. Quais as consequências disso?

Rubens Lyra: O ouvidor será escolhido pelo Congresso, ao tomar posse nomeará os ouvidores do executivo, ouvindo em cada setor a sociedade. Os ouvidores setoriais, da saúde, segurança etc., serão nomeados. Então, quando sai o Ouvidor-Geral da União os demais são destituídos. A legitimidade é externa, o Ouvidor-Geral da União é independente do executivo porque será escolhido pelo legislativo. Há um projeto em tramitação, a PEC 45, que sugere que haja uma carreira de ouvidor por meio de concurso público, o que eu acho uma excrescência, porque a carreira de ouvidor deriva do exercício da cidadania, é uma questão de vocação e não da rotina burocrática.

 

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