Possibilidades e desafios ao inovar no setor público: uma síntese da Semana de Inovação em Gestão Pública

De 30 de novembro a quatro de dezembro Brasília foi palco de um importante evento voltado para o aprendizado, a deliberação e a troca de experiências em inovação. A Semana de Inovação em Gestão Pública foi organizada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão em parceria com o Tribunal de Contas da União, a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e o Governo Federal. A Conferência Internacional, evento parte da Semana, contou com a participação de especialistas, estudiosos e gestores nacionais e internacionais, que se disponibilizaram a compartilhar experiências e conhecimento nas mais diversas facetas que envolvem a arte de inovar no setor público.



Dentre diferentes abordagens e pontos de vista, o que parece ter ficado marcado na Conferência é a necessidade de investir em inovação na gestão pública para aumentar a eficiência do serviço público prestado aos brasileiros. Para tanto, ressaltou-se que, para essa mudança de perspectiva e de ações, é preciso incentivar, capacitar e habilitar uma cultura de inovação. Nesse sentido, a ausência de incentivos no setor público saltou como um dos principais pontos a serem subvertidos, dentre outros tantos que serão tratados abaixo.

Na ocasião, os participantes tiveram a oportunidade de conhecer diversas experiências de inovação nacionais e internacionais. Iniciativas como o Laboratório inovaTCU, o INOVATIVA (do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), o Dialoga Brasil e o Paritipa.br (do Governo Federal), o Projeto Esplanada Sustentável e a Central de Compras e Contratações (do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão) foram alguns dos exemplos nacionais dados de implementação de projetos de inovação no setor público. Igualmente participaram das mesas diretores e responsáveis por iniciativas internacionais na área de inovação, cujos principais exemplos são: MindLab, da Dinamarca, OPMlab, dos Estados Unidos, NESTA, do Reino Unido, Laboratório La 27e Région, da França, Laboratório de Gobierno (LabGob), do Chile, Centro para Inovação no Serviço Público, da África do Sul, dentre outros.

Durante o andamento das exposições, os palestrantes buscavam, à sua forma, responder importantes questionamentos a respeito do por que a inovação é um tema tão importante atualmente. O vice-diretor de Governança Pública e Desenvolvimento Territorial da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Luiz de Mello, ressaltou que os países membros da OCDE gastam, em média, 40% do PIB com gestão pública. Levando isso em consideração, complementou, “todas as estratégias que buscam tornar esses gastos mais eficientes e eficazes são muito importantes”. Novos temas e novos desafios demandam criatividade, demandam novas ferramentas e novas iniciativas para enfrentá-los. No Brasil, o tema tem sido progressivamente incluído nos debates sobre melhorias na gestão pública, o que se deve principalmente à grande insatisfação que a sociedade brasileira tem com a qualidade do serviço público. O que se tem visto, portanto, é um caminhar do Estado brasileiro para a modernização.

Para viabilizar a mudança necessária para criar uma cultura de inovação, Augusto de Albuquerque, da União Europeia, ressaltou que é preciso criar um ambiente em que os mecanismos de inovação digitais e tecnológicos possam florescer. Para além desses mecanismos, Thomas Prehn, do MindLab Dinamarca, pontuou que inovação requer mudança nas decisões, o que não é comum no dia-a-dia das pessoas, tampouco no setor público. A incerteza com relação à mudança está relacionada ao receio de errar, mas, para ele, não é possível saber se algo dará certo sem antes experimentar. A cultura da inovação, antes de tudo, requer o exercício do “aprender fazendo”.

Para o professor Antônio Isidro, da Universidade de Brasília, a inovação aberta tem sido a tendência mais aplicada mundo afora, por meio da atuação em rede, com múltiplas formas de interação digital entre os governos, entre esses e as Universidades, entre setor público e privado e entre sociedade civil e governo. As parcerias, portanto, são importantes para o fomento de inovações e a consolidação de iniciativas que visam à melhoria no setor público. Segundo Maryantonett Flumian, do Instituto de Governança do Banco Interamericano de Desenvolvimento, a liderança é a chave para essa mudança. A busca por identificar líderes adaptáveis e confiáveis é essencial para construir instituições resilientes.

Ainda que o caminho das pedras para obter sucesso na inovação pareça estar traçado, muito se fala a respeito das barreiras identificadas no setor público que impossibilitam o crescimento e a consolidação das iniciativas. Em termos gerais, os inovadores não são reconhecidos no setor público, os custos ao inovar podem ser altos às regulações internas já previstas, as estruturas tradicionais não estão adaptadas para a complexidade das tarefas atuais e há a dificuldade em identificar os problemas. Além disso, é possível identificar a falta de flexibilidade em alocar e manejar os recursos financeiros, o que torna a transferência desses às iniciativas de inovação ainda mais difícil. Entretanto, diferentemente do que se pensa a inovação não produz riscos e incertezas para além do que já é possível identificar no setor público, pelo contrário, ela busca gerir o risco, por meio do monitoramento intensivo e avaliação, da prototipagem de ideias para solucionar esse risco e de testes. Isso é feito por meio de parcerias flexíveis, colaboração, co-desenho e co-implementação, sempre com o foco no cidadão. Para Cibele Franzese, da Fundação Getúlio Vargas, esse ciclo possibilita uma maior transparência nos serviços prestados para o cidadão e, com isso, a desconfiança é minimizada, ou, em alguns casos, deixa de existir. 

Uma iniciativa interessante foi apresentada pela Diretora do Escritório de Gestão de Pessoas dos Estados Unidos, Stephanie Wade, cujo laboratório de inovação (LABopm) busca aprimorar o governo por meio da utilização de um projeto centrado nas pessoas (Human-Centered Design), ou seja, busca-se compreender e administrar problemas complexos para projetar soluções criativas e eficazes que atendam às necessidades reais das pessoas. O laboratório auxilia na condução de projetos de inovação no governo por meio do incentivo ao desenvolvimento de uma comunidade de inovadores conectada nacionalmente, pela condução de projetos com parceiros para resolver problemas do setor público e produzir resultados inovadores (exemplos USAJOBS e USDA). Por fim, atua ensinando demais órgãos e iniciativas por meio de classes e treinamentos que capacitam os servidores a desenvolver uma cultura de inovação em suas organizações.

Sob a perspectiva das experiências brasileiras, duas interessantes abordagens foram trazidas a respeito do trabalho desenvolvido no Tribunal de Contas da União (TCU) e no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Segundo o Assessor Especial para Inovação do Laboratório de Inovação do TCU (InovaTCU), Gledson Pompeu, o único recurso totalmente essencial para a inovação são as pessoas e, por esse motivo, criou-se no órgão um coLAB, ou seja, um laboratório de inovação  e colaboração “feito de pessoas para pessoas”. Promove a inovação por meio da criação de networking entre pessoas com desafios parecidos para que possam se ajudar mutuamente, de parcerias com Universidades, bem como implementando a abordagem de design thinking para que as pessoas pensem mais nas pessoas ao proporem soluções para problemas diversos, criando protótipos de solução antes de colocá-las em produção e capacitando pessoas em assuntos que envolvem conhecimento de distintas áreas. Para Gledson, o laboratório veicula e estimula esse ciclo, dando suporte às iniciativas do TCU e trazendo perspectivas distintas para problemas antes solucionados de outras formas.

Já para o Secretário de Inovação do MDIC, o trabalho desenvolvido pelo INOVATIVA, o Laboratório de Inovação desse Órgão, parte da identificação e da busca por soluções para o problema, o que, segundo ele, requer entender o usuário e identificar, ao redor do mundo, quais são as respostas possíveis e o que tem sido feito. Segundo ele, a criação do Laboratório enfrentou grandes críticas com relação à iniciativa, mas com persistência e motivação de equipe os obstáculos têm sido ultrapassados e o trabalho tem sido executado. A partir da identificação do problema, trabalhos de capacitação e mentoria são desenvolvidos, faz-se o planejamento em equipe e, posteriormente, a implantação da iniciativa. Segundo o Secretário, o trabalho em equipe é a chave para a inovação.



Uma coisa é certa para todos os palestrantes citados acima e os demais que passaram pela Conferência: é preciso demonstrar a indispensabilidade da inovação, entender que inovação não é uma opção, mas um caminho onde as coisas podem ser feitas de forma mais eficiente e eficaz. Essas foram as palavras da Chefe Executiva do Centro para Inovação no Setor Público da África do Sul. Para a sul-africana, os inovadores devem ser catalisadores para a consolidação da inovação em todos os debates, discussões e documentos de planejamento do setor público. Devem liderar o processo de sinergia entre programas nacionais, regionais e globais e devem aprofundar a rede global com instituições de outros países. Acima de tudo, devem persuadir por meio da demonstração de que inovar no setor público é possível, mesmo diante das mais diversas dificuldades encontradas nos países.


Texto e fotos de Letícia Volpi Goulin/IPEA 

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