Artigo
Mulheres na ciência no Brasil: ainda invisíveis?
Fernanda De Negri, pesquisadora do Centro de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade do Ipea, faz uma reflexão sobre a visibilidade das mulheres na ciência e o desafio de aumentar sua representatividade em diferentes áreas do conhecimento no Brasil.
Publicado em 05/03/2020 - Última modificação em 02/09/2021 às 20h30
Imagine uma conferência na mais importante Sociedade Científica do Brasil. Vários palestrantes (todos os homens) estão conversando enquanto aguardam sua vez de subir ao palco. Uma mulher, conhecida de vários deles, também está lá, conversando e esperando para assistir ao painel. Outro homem se junta ao grupo e é apresentado, um por um, às pessoas ao seu redor, com uma exceção: a mulher, apesar de conhecida, é absolutamente ignorada pelo cientista que conduz as apresentações. Superar a invisibilidade das mulheres é um desafio diário para todas e cada uma de nós, especialmente em áreas como a ciência, onde sua carreira depende de ser reconhecida por suas contribuições intelectuais ao seu campo.
Hoje, as mulheres são cerca de 54% dos estudantes de doutorado no Brasil, o que representa um aumento impressionante de 10% nas últimas duas décadas. Esse número é semelhante ao dos países desenvolvidos, como os Estados Unidos, onde em 2017 as mulheres conseguiram 53% dos diplomas de doutorado concedidos no país. No Brasil, assim como no resto do mundo, no entanto, essa participação varia muito de acordo com a área do conhecimento. Nas ciências da vida e da saúde, por exemplo, as mulheres são a maioria dos pesquisadores (mais de 60%), enquanto nas ciências da computação e matemática elas representam menos de 25%.
Apesar de serem a maioria das pessoas com doutorado em diversas áreas, as mulheres brasileiras não estão tão bem representadas nos níveis mais altos da carreira. Um estudo recente mostrou que as mulheres representam apenas 24% dos beneficiários de um subsídio do governo brasileiro concedido aos cientistas mais produtivos do país (a bolsa produtividade). A sub-representação em posições de liderança ainda persiste: as mulheres cientistas são apenas 14% da Academia Brasileira de Ciências.
Poder-se-ia levantar a hipótese de que, por várias razões (como ainda ser a principal responsável pelas crianças), as mulheres são menos produtivas que os homens. No entanto, quando se trata de produção científica, vários números mostram que as mulheres brasileiras superam seus colegas do sexo masculino. Um artigo publicado na Nature Magazine há alguns anos descobriu que as mulheres eram responsáveis por quase 70% do total de publicações de cientistas brasileiros entre 2008 e 2012, um dos maiores índices do mundo. O impacto do trabalho de homens e mulheres também é comparável, como mostra um estudo mais recente sobre gênero no cenário global da pesquisa, da Elsevier, que leva em conta o número de citações desses artigos.
Talvez a falta de mulheres nas principais posições científicas seja o resultado de uma questão mais profunda no país, causada pelos mesmos fatores que explicam por que os salários das mulheres são mais baixos ou porque há poucas mulheres em conselhos de empresas, ou mesmo em posições governamentais de alto nível. Talvez as mulheres ainda não sejam reconhecidas como capazes e competentes pelos responsáveis pela seleção dos candidatos que têm acesso a esses cargos: na maioria dos casos, homens. Talvez ainda continuemos invisíveis, assim como a mulher daquela conferência. Superar essa invisibilidade requer o compromisso de toda a sociedade. Campanhas educativas para estimular as meninas a se tornarem cientistas e discutir o viés inconsciente em processos seletivos são exemplos de iniciativas em andamento no Brasil que são bem-vindas.
*Esse texto foi publicado originalmente em "A Snapshot of the Status of Women in Brazil: 2019", publicação editada pelo Wilson Center Brazil Institute, sediado em Washington (EUA). A publicação original, em inglês, pode ser acessada aqui.