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Fatores motivadores da inovação ambiental nas indústrias de transformação: dados da Pintec 2017

A análise dos principais fatores motivadores da ecoinovação nas indústrias de transformação no Brasil pode contribuir para identificar espaços para políticas públicas que induzam à inovação ambiental

Priscila Koeller e Pedro Miranda*

O tema da inovação ambiental tem tido destaque nas discussões internacionais sobre políticas públicas especialmente após o lançamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em 2015. Com a pandemia de Covid-19 esse tema ganhou ainda mais importância, uma vez que se insere nas discussões relativas à recuperação da crise imposta pela doença.

A discussão sobre a importância da tecnologia para o desenvolvimento sustentável, no entanto, remonta à década de 1980, como apontado pelo Relatório Brundtland[1]. Com o desenvolvimento da literatura sobre inovação se discute, então, quais seriam os principais fatores motivadores da inovação ambiental. Nessa literatura, destaca-se a hipótese de Michel Porter, baseada nos artigos de Porter e Linde (1995a; 1995b).

Os autores argumentam que a imposição de normas ambientais pode induzir as empresas à inovação, visando a redução dos custos de mitigação e multas relativas ao impacto ambiental negativo causado, ou aumento de valor de seus produtos, elevando a competitividade. Esse seria, portanto, um dos principais fatores indutores das inovações ambientais.

Estudos desenvolvidos sobre ecoinovações[2] no período recente, como Lustosa (2002), Podcameni (2007), Horbach et al (2012) e Santos (2016), seguiram confirmando que as regulamentações ambientais e a busca por redução de custos podem induzir as ecoinovações. Esses autores mostraram também que as atividades econômicas devem ser consideradas nas análises sobre ecoinovação.

No Brasil, no entanto, o levantamento realizado pela primeira vez no módulo “Sustentabilidade e inovação ambiental” da Pesquisa de Inovação 2015-2017 (Pintec 2017) traz novas evidências. A pesquisa aponta que, para o total das empresas cujas inovações tiveram impacto ambiental, as normas ambientais seriam apenas o quarto fator motivador, tendo sido um dos fatores declarados por menos da metade das empresas ecoinovadoras.

O principal fator foi a reputação da empresa, seguido de Códigos de boas práticas ambientais e da busca pela redução dos custos de produção[3]. O mesmo se verifica para o conjunto de empresas das indústrias de transformação, cujos fatores motivadores seguem a mesma ordem do total das empresas. Como será apresentado, a análise por divisões das indústrias de transformação mostra, no entanto, uma grande heterogeneidade entre as atividades.

Nesse contexto, o artigo pretende apresentar as taxas de ecoinovação da Pintec e dados de 2017 sobre os principais fatores motivadores da inovação ambiental para as atividades econômicas das indústrias de transformação desagregadas no nível de divisões da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0). Identificar esses fatores pode abrir espaço para o desenvolvimento de políticas específicas, em especial aquelas baseadas em regulamentação que induzam à inovação ambiental.

Taxas de Ecoinovação

As taxas de ecoinovação sinalizam qual a importância das empresas ecoinovadoras na economia ou em determinada atividade econômica.[4] A tabela 1 apresenta as taxas de ecoinovação no Brasil para as indústrias de transformação, e por divisões dessas indústrias, a partir das informações disponibilizadas pelas pesquisas de inovação de 2008 até 2017. Os dados mostram que, para o total das indústrias de transformação, as taxas de ecoinovação aumentaram entre as pesquisas de 2008 (15,1%) e 2014 (18,1%), mas apresentaram queda em 2017 (14,8%). Entre os períodos de 2012-2014 e 2015-2017, houve redução das taxas de ecoinovação para 19 das 24 atividades econômicas consideradas.

Essas tendências eram semelhantes quando comparadas às tendências das taxas de inovação[5] entre os dois períodos considerados. No entanto, na maioria das atividades, a evolução da taxa de ecoinovação no período recente foi pior do que o da taxa de inovação. Este fato já pode ser visto como um sinal da necessidade de aprimoramento dos instrumentos de incentivo à implementação de ecoinovação.

A despeito da queda e dos números reduzidos, algumas atividades se destacaram pela realização de inovações que contribuem para a redução dos impactos sobre o meio ambiente. Em sete atividades econômicas, mais de 50% das empresas inovadoras implementaram inovações que resultaram em redução destes impactos ou as taxas de ecoinovação estiveram acima de 20%: bebidas; coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis; equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos; impressão e reprodução de gravações; minerais não-metálicos; produtos químicos; e produtos de madeira.

Identificar os principais fatores que motivaram inovações ambientais nesses casos é um primeiro passo para avaliar se há espaço para a elaboração ou aprimoramento de políticas públicas. Tais políticas podem incentivar não apenas o aumento da participação das empresas ecoinovadoras entre aquelas que implementam inovações, mas contribuir também para o crescimento da taxa de ecoinovação.

Tabela 1 - Taxas de Inovação e de Ecoinovação e participação (%) das empresas ecoinovadoras no total das empresas inovadoras, por atividades econômicas das indústrias de transformação - Brasil - 2008-2017

tabela 1Fonte: SIDRA-IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Indústria, Pesquisa de Inovação (Vários anos). Elaboração dos autores. 

*As designações das Atividades Econômicas foram abreviadas e correspondem à CNAE 2.0 no nível de dois dígitos.

 

Fatores motivadores das ecoinovações

As pesquisas de inovação anteriores à 2017, apesar de não terem um módulo específico, já contavam com algumas questões utilizadas como proxies por autores como Podcameni (2007) e Santos (2016) para avaliar a importância da regulamentação para as empresas inovadoras. As autoras definiram inovação ambiental a partir da combinação de questões relacionadas aos principais impactos das inovações, associando as questões relativas à redução do consumo de matérias-primas, do consumo de energia e do consumo de água, e do impacto sobre o meio ambiente, com a questão relativa ao “Enquadramento em regulações e normas padrão relativas ao mercado interno ou externo”.

Esses estudos mostraram que as empresas que introduziram inovações ambientais apresentaram melhor desempenho competitivo, entre outros resultados. No entanto, as perguntas existentes não permitiam avaliar a regulamentação como “fator de motivação”, uma vez que estavam inseridas no módulo de impactos da inovação.

Como ressaltado anteriormente, a Pintec 2017 contemplou, em seu módulo “Sustentabilidade e inovação ambiental”[6], a pergunta referente aos fatores motivadores para “a decisão da empresa em introduzir inovações que gerassem benefícios ambientais”, no período 2015 a 2017. As empresas puderam apontar até 9 possíveis fatores, além de “Outros”, que eram: Normas ambientais existentes ou impostos incidentes sobre a contaminação; Normas ambientais ou impostos que possam vir a ser introduzidos no futuro; Disponibilidade de apoio governamental, subsídios ou outros incentivos para a inovação ambiental; Demanda (real ou potencial) do mercado por inovação ambiental; Melhorar a reputação da empresa; Ações voluntárias; Códigos de boas práticas ambientais no seu setor de atuação; Elevados custos de energia, água ou matérias-primas; Atender aos requisitos necessários para a consolidação de contratos públicos.

Com essa nova informação, é possível identificar, de forma mais explícita, se instrumentos como normas ambientais, impostos e financiamento público, legalmente instituídos, estão cumprindo o papel de incentivar a realização de investimentos em inovações que reduzam o impacto ambiental. Entre as normas estão, por exemplo, a Política Nacional de Resíduos Sólidos; a Política Nacional de Recursos Hídricos; e a legislação referente à qualidade do solo e que estabelece diretrizes para áreas contaminadas.

Para o total das atividades pesquisadas pela Pintec 2017, as normas existentes aparecem como quarto fator motivador das inovações ambientais. O mesmo se verifica para o conjunto de empresas das indústrias de transformação, em que 46,3% delas sinalizam “as normas ambientais existentes” (4º lugar) como um dos fatores motivadores das inovações ambientais. A ordem também foi semelhante ao do total das empresas para os três primeiros fatores: “reputação” (60,5%); “códigos de boas práticas” (53,8%); e “elevados custos” (49,8%). As normas ambientais futuras, outro fator associado à atuação governamental, está em 6º lugar na lista (41,4%).

Ao analisar o percentual de empresas que sinalizaram as normas existentes ou futuras como um dos fatores motivadores, dois aspectos chamam a atenção. O primeiro diz respeito ao fato de haver espaço para políticas públicas, aperfeiçoando normas existentes ou elaborando novas regulamentações, já que para o total das empresas das indústrias de transformação menos de 50% sinalizaram estes fatores como importantes.

O segundo diz respeito à grande heterogeneidade entre as várias divisões das indústrias de transformação, já que para algumas o percentual de empresas que sinalizaram, por exemplo, normas ambientais existentes como importante alcança 86%, estando na primeira posição em relação aos demais fatores, enquanto para outras não chega a 20%, estando relativamente mal posicionadas, quando comparado aos demais fatores, ou com o total das empresas das indústrias de transformação (tabela 2).

A análise das atividades econômicas selecionadas a partir de seu desempenho ecoinovador mostra que cinco das sete atividades corroboram a literatura sobre principais indutores das inovações ambientais, ao atribuírem importância para normas ambientais (existentes ou futuras) ou elevados custos de energia, água ou matérias-primas. Para quatro delas - Bebidas; Coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis; Produtos químicos; Minerais não-metálicos - as normas ambientais existentes ou as normas ambientais futuras estavam entre os três principais fatores motivadores das inovações ambientais, isto é, acima da ordem estabelecida pelo conjunto de atividades das indústrias de transformação.

Nessas quatro atividades, as normas existentes ou as normas futuras foram apontadas como fator importante por mais de 50% das empresas ecoinovadoras. Para a atividade de Impressão e reprodução de gravações, embora as normas (existentes ou futuras) não tenham sido importantes (relativamente aos demais fatores), o fator “elevados custos” foi o primeiro no percentual de empresas que estabeleceram importância alta ou média.

As atividades de fabricação de equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos; e de produtos de madeira, ao contrário, não ratificam o que foi estabelecido pela literatura, visto que os fatores relacionados à regulamentação e a custos foram relativamente menos importantes do que os demais fatores. Em ambos os casos, menos da metade das empresas ecoinovadoras apontaram as normas (existentes e futuras) como relevantes.

Para as demais atividades, que tiveram piores desempenhos ecoinovadores, chama a atenção o fato de os fatores relativos às normas ou aos custos terem ficado relativamente mal posicionados em relação aos demais fatores na maioria dos casos, tendo sobressaído principalmente os fatores “Reputação”, “Ações voluntárias” e “Códigos de boas práticas”. Neste grupo, cabe destacar produtos alimentícios e celulose e papel, atividades consideradas como altamente poluidoras, de acordo com estatísticas internacionais de emissões de gases de efeito estufa. Embora este seja apenas um dos aspectos da poluição, trata-se de uma dimensão importante no debate a respeito da política ambiental.[7]

Tabela 2 - Número de empresas ecoinovadoras e indicação (%) dos fatores que contribuíram para introduzir inovações ambientais, segundo as atividades das indústrias de transformação - Brasil - 2015-2017

tabela 2Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Indústria, Pesquisa de Inovação 2017. Elaboração dos autores. 

*As designações das Atividades Econômicas foram abreviadas e correspondem à CNAE 2.0 no nível de dois dígitos.

 

Considerações finais

As ecoinovações têm sido sinalizadas desde a década de 1980 como um dos elementos essenciais para o desenvolvimento sustentável. No contexto atual, passaram a ser consideradas no conjunto de políticas públicas para a superação da crise econômica e sanitária, principalmente em países desenvolvidos. Nesse sentido, são preocupantes os sinais recentes de queda no percentual de empresas que realizaram investimentos em inovações para reduzir o impacto ambiental no Brasil, explicitando a necessidade de atenção às políticas ambientais.

A constatação, a partir dos dados da Pintec 2017, de que as normas ambientais, existentes e futuras, e os fatores de custos não serem os principais motivadores, especialmente no caso das atividades relativamente menos ecoinovadoras, abre espaço para aperfeiçoamento e/ou elaboração de políticas públicas. Além disso, a heterogeneidade entre as diferentes atividades das indústrias de transformação reforça a importância de realização de estudos aprofundados, que considerem os aspectos setoriais, com a utilização de microdados sobre tais fatores motivadores.

Outros dois elementos sinalizados pela pesquisa devem ser considerados nas políticas públicas: o fator “apoio do governo” aparece em penúltimo lugar na Pintec 2017, apontado como relevante por apenas 11,6% da empresas ecoinovadoras; as taxas de ecoinovação e a participação das empresas ecoinovadoras nas empresas inovadoras se reduziram nas atividades das indústrias de transformação, especialmente, entre as edições de 2014 e 2017. Essa redução entre os dois períodos evidencia a necessidade de investigar se estaria associada à flexibilização de normas ambientais no período, e de realizar estimativas dos impactos de mudanças normativas em debate.

Por fim, deve-se avançar na associação entre atividades poluidoras, fatores motivadores e realização de inovações ambientais. Para tanto, além de o Brasil estabelecer a lista das atividades mais emissoras de gases de efeito estufa, é necessário também avançar em estatísticas por atividades econômicas relativas aos demais tipos de poluição, como solo e água.

*Os autores agradecem os comentários de Fernanda De Negri e Graziela Zucoloto, eximindo-as de erros ou omissões que porventura tenham permanecido.

 

Referências:

HORBACH, J. Determinants of Environmental Innovation - New Evidence from German Panel Data Sources. FEEM Working Paper No. 13, 2006.

IBGE. Pesquisa de Inovação 2017 - Análise complementar Sustentabilidade e inovação ambiental. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Rio de Janeiro. 2020.

IBGE. Pesquisa de Inovação 2017. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Rio de Janeiro. 2020.

IBGE. Pesquisa de Inovação 2014. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Rio de Janeiro. 2016.

IBGE. Pesquisa de Inovação 2011. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Rio de Janeiro. 2013.

IBGE. Pesquisa de Inovação 2008. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Rio de Janeiro. 2010.

KEMP, R.; PEARSON, P. Final Report MEI Project about Measuring Eco-innovation. Maastricht, Netherlands: UNU-MERIT, 2007.

KOELLER, P.; MIRANDA, P.; LUSTOSA, M.; PODCAMENI, M.. Ecoinovação: Revisitando o Conceito. Texto para discussão nº 2556. Brasília: Rio de Janeiro: Ipea , abril, 2020.

LUSTOSA, M. C. J. Meio Ambiente, Inovação e Competitividade na Indústria Brasileira: a cadeia produtiva do petróleo. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, IE/UFRJ, 2002.

PODCAMENI, M. Meio ambiente, inovação e competitividade: uma análise da indústria de transformação brasileira com ênfase no setor de combustível. Dissertação (Mestrado). Rio de Janeiro, Instituto de Economia, UFRJ, 2007.

PORTER, M.; LINDE, C. van der. Toward a new conception of the environment-competitiveness relationship. Journal of Economic Perspectives, v. 9, n. 4, p. 97-118, 1995a.

______. Green and competitive: ending the stalemate. Harvard Business Review, v. 73, n. 5, p. 120-134, Sept./Oct., 1995b.

Santos, M. Inovação ambiental: determinantes e impactos sobre a produtividade da indústria brasileira . Tese (doutorado). Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, 2016.

UN – UNITED NATIONS. Report of the world commission on environment and development: our common future. [s.l.]: UN, 1987. Disponível em: <https://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/5987our-common-future.pdf>. Acesso em: 28 de setembro de 2020.

[1] Relatório da CMMAD, Our Common Future, de 1987.

[2] Para o conceito de ecoinovação ver Kemp, Pearson (2007); Koeller et al (2020); IBGE (2020).

[3] Disponível em: http://www.pintec.ibge.gov.br/downloads/PUBLICACAO/pintec_2017_analise_complementar_sustentabilidade_e_inovacao_ambiental.pdf. Acesso em: 28 de setembro de 2020.

[4] A taxa de ecoinovação é definida pela relação entre as empresas que sinalizaram importância alta, média ou baixa no impacto que as inovações introduzidas no período de referência (3 anos) tiveram sobre redução dos impactos ambiental em relação ao total das empresas, para o conjunto ou por divisão das indústrias de transformação.

[5]A taxa de inovação é definida pela relação entre o total de empresas que implementaram inovação de produto e/ou processo e o total de empresas, por atividade econômica.

[6] Disponível em: http://www.pintec.ibge.gov.br/downloads/METODOLOGIA/Questionario/quest_pintec_2017_final.pdf. Acesso em: 28 de setembro de 2020.

[7] Na ausência de uma classificação recente e abrangente de atividades econômicas poluidoras para o Brasil, utilizou-se as estatísticas de emissões de gases de efeito estufa para os 28 países da União Europeia, referente ao ano de 2017. Sua utilização precisa ser cautelosa na medida em que há diferenças entre os setores produtivos brasileiro e dos países da União Europeia. Disponível em: http://appsso.eurostat.ec.europa.eu/nui/show.do?dataset=env_ac_ainah_r2&lang=en. Acesso em: 28 de setembro de 2020.