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Tecnologias auxiliam na gestão de riscos de desastres hidrológicos
Publicado em 10/07/2024 - Última modificação em 07/08/2024 às 14h06
Leonardo Szigethy e Rodrigo Andrade
Eventos extremos associados ao excesso de chuvas estão cada vez mais frequentes. Entre 1960 e 2019, o número de desastres desse tipo aumentou de uma média de 39 para 396 por ano, de acordo com dados do Instituto para Economia e Paz (IEP, na sigla em inglês), organização de pesquisa global sem fins lucrativos sediada na Austrália. Projeções do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indicam que essa tendência deve se manter nos próximos anos.
No Brasil, 1.942 municípios (34,9% do total) — nos quais vivem 148,9 milhões de pessoas (73,3% da população) — são vulneráveis a desastres climáticos relacionados a eventos hidrológicos extremos, como enchentes e deslizamentos de terra, devido, sobretudo, ao aumento do desmatamento, da pressão imobiliária e das ocupações irregulares. Nesse sentido, é importante aprimorar a gestão de riscos e reduzir os impactos desses eventos. Segundo o IPCC, entre 2010 e 2020, a mortalidade por cheias, secas e tempestades foi 15 vezes maior em regiões consideradas vulneráveis.
Para tentar combater os efeitos cada vez mais intensos da crise climática, pesquisadores do mundo todo trabalham no desenvolvimento e na adaptação de diferentes tecnologias para a gestão de riscos de desastres. A Organização das Nações Unidas (ONU) mapeou algumas delas, a partir de entrevistas com especialistas e análises de casos reais. O objetivo é apoiar governos e empresas em estratégias de prevenção, mitigação, resposta e recuperação de desastres.
Segundo o relatório da ONU, tecnologias de sensoriamento remoto, drones e sistemas de informação geográfica (também conhecidos como GIS) podem ajudar na elaboração de mapas topográficos capazes de indicar as áreas mais vulneráveis a inundações e deslizamentos de terra, subsidiando estratégias de prevenção e mitigação. Já os sistemas de informação geográfica podem auxiliar na identificação das melhores rotas de evacuação, fundamentais para um plano de emergência.
Aaron Burden/Unsplash
Outra ferramenta útil na preparação de eventos extremos são os modelos de previsão. "Esses sistemas usam dados históricos para acompanhar o comportamento da chuva nas bacias hidrográficas e estimar a probabilidade de ocorrência de eventos climáticos extremos em determinadas regiões", explicou o engenheiro civil Leandro Torres di Gregório, da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em entrevista ao CTS-Ipea.
Na Bósnia e Herzegovina, o projeto Computer Vision Flood Forecasting using Remotely Sensed Data, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), desenvolveu modelos de previsão de inundações mais precisos. A ferramenta busca informações sobre o comportamento da chuva e escoamento da água por meio de imagens de sensoriamento remoto, análises por visão computacional e técnicas de aprendizagem profunda (deep learning).
Modelos de previsão equipados com sistemas de Inteligência artificial (IA) podem ajudar na identificação de eventos de cheias em menor tempo e com maior assertividade. Essas tecnologias permitem uma melhor avaliação de registros históricos, identificação de padrões e análise de tendência a partir de dados de entrada, que devem ser constantemente coletados.
Há algum tempo a iniciativa Sustainable Environment and Ecological Development Society (SEEDS) desenvolve, em parceria com a Microsoft, o “Sunny Lives”, modelo de IA capaz de prever desastres a partir de dados locais, permitindo a criação de planos de resposta personalizados.
De acordo com o relatório da ONU, sistemas de internet das coisas (IoT) — em que objetos são capazes de gerar e compartilhar informações em rede — também estão sendo usados no monitoramento de variáveis indicadoras de desastres e na integração de sistemas de alerta, como forma de se antecipar à ocorrência de eventos extremos, permitindo uma tomada de decisão mais rápida e eficiente.
Na Colômbia, próximo à cidade de Salgar, um sistema de alerta com dispositivos IoT monitora o nível dos rios e a temperatura do ar, enviando mensagens em tempo real para as autoridades quando há risco de inundações. O professor Gregório explica que as estratégias de gestão de risco baseada em dados dependem de investimentos em infraestrutura, como repositórios centralizados de dados e centros de operações integrados capazes de lidar com a alta complexidade, interatividade e dinâmica dos sistemas urbanos.
Durante a fase de resposta aos desastres, são realizadas ações com caráter de urgência para lidar com os impactos socioeconômicos e sobre as vidas humanas. Nessa fase, o tempo é um fator crucial, e os atores devem trabalhar rapidamente e em conjunto para minimizar a perda de vidas e o impacto econômico nas propriedades. Novamente, o uso de drones e sensoriamento remoto podem auxiliar na coleta de dados e no monitoramento das áreas afetadas — mesmo aquelas mais afastadas — por meio de imagens detalhadas e em tempo real. O governo das Maldivas, em cooperação com o PNUD, tem usado drones para criar mapas de risco em tempo real e fornecer dados necessários para subsidiar os planos de resposta à emergência.
Softwares de IA equipados com algoritmos de aprendizagem de máquina (machine learning) podem ser usados para identificar dados relevantes, como imagens de infraestruturas danificadas compartilhadas em redes sociais, permitindo a priorização de locais em maior risco. Nas fases de busca, resgate e assistência a pessoas desalojadas, desabrigados e feridas, drones equipados com câmeras térmicas e/ou de infravermelho podem ser úteis para obter dados e informar equipes de resgate em tempo real. Já existem protótipos de drones autônomos de resgate que atuam em situações extremas.
A realidade aumentada pode fornecer informações críticas para equipes de campo, melhorando o entendimento da situação sobre o risco de infraestruturas e pessoas. A computação em nuvem pode tornar mais eficiente as ações de busca e resgate a partir da análise e do compartilhamento de dados com equipes de campo, reduzindo a necessidade de equipamento físico, já que os serviços computacionais são executados remotamente.
Durante a fase de recuperação, são realizadas ações de suporte para que a área e a população afetada sejam assistidas, como: o restabelecimento de serviços essenciais (água, energia e saúde), auxílio financeiro às pessoas e empresas e a reconstrução da infra-estrutura e edificações. Essa fase pode levar muito tempo para ser finalizada e requer uma ampla quantidade de recursos dependendo da magnitude dos impactos na região.
A logística de distribuição de recursos essenciais (como água, alimentos e medicamentos) em um cenário de desastre costuma ser um processo complexo. Drones podem ser usados para transportar bens essenciais para pessoas em áreas remotas, como vacinas ou suprimentos médicos. Tecnologias como impressão 3D podem ser usadas para criar componentes sob demanda para equipamentos médicos, como incubadoras para bebês, garantindo a funcionalidade de sistemas críticos.
Garantir a distribuição de recursos em um cenário de desastres não é uma tarefa fácil. Tecnologias de blockchain podem ser usadas para gerenciar transferências de dinheiro para comunidades e famílias afetadas por eventos extremos, garantindo uma distribuição mais segura. A realidade aumentada e/ou a virtual pode auxiliar na arrecadação de fundos e no compartilhamento de informações. Em colaboração com a organização internacional Oxfam, a ONG Vanuatu Resilience Business Council (VBRC) criou um programa de transferência de dinheiro com fins humanitários via blockchain chamado "Unblocked Cash", que entre 2020 e 2021 ajudou muitas famílias afetadas por desastres naturais e pela pandemia causada pela Covid-19.
Essas e outras tecnologias podem ser úteis à gestão de riscos de desastres no Brasil, auxiliando no desenvolvimento de estratégias de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação. Ao mesmo tempo, é importante que o país fomente o desenvolvimento e a difusão de tecnologias com esse fim, sendo as universidades e centros de pesquisa fundamentais nesse processo. Na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, por exemplo, um grupo de pesquisadores desenvolveu um banheiro emergencial móvel para atender pessoas atingidas por inundações. Instalado em um contêiner, o equipamento capta, filtra e aquece a água dos rios para usá-la nos lavabos, vasos sanitários e chuveiros.
A instalação tem capacidade para 144 banhos de dez minutos por dia. Por ser móvel, pode ser transportada por rodovias e ser instalada em terrenos planos ou com pouca declividade, atendendo situações temporárias em que há uma demanda maior para serviços de higiene. "Esse tipo de estrutura modular é importante porque pode ser combinada em várias unidades para atender públicos diferentes", diz a arquiteta e urbanista Lara Leite Barbosa de Senne, da FAU-USP, coordenadora do projeto, iniciado em 2009. A solução foi patenteada em junho. A ideia é que empresas interessadas em investir nessa solução possam reproduzi-la em larga escala.
Leandro Torres di Gregório destaca outras iniciativas brasileiras, como os centros de operações integradas, capazes de monitorar e avaliar de forma centralizada informações sobre a dinâmica dos sistemas urbanos, auxiliando na prevenção de eventos extremos, como o Centro de Operações do RIO (COR). Ele também destaca o papel de aplicativos como o CEM, que permite operar em tempo real a comunicação entre as equipes do Poder Público (Defesa Civil, Bombeiros etc.) e as pessoas em áreas de risco.
Segundo o engenheiro civil, as novas tecnologias são bem-vindas, mas, para serem efetivas, precisam ser usadas dentro de um contexto de ampla comunicação, gestão e governança entre os atores de diferentes esferas para a elaboração de um planejamento mais eficaz e que envolva tecnologias adequadas para lidar com o problema.
Os autores agradecem a Leandro Torres di Gregório e Lara Leite Barbosa de Senne pelas entrevistas, e a leitura e comentários de Priscila Koeller, Daniel Colombo e Túlio Chiarini do CTS-Ipea.