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“Plasma em combustão” é passo importante para geração de energia por fusão nuclear
Pesquisadores de laboratório dos EUA anunciam avanço no desenvolvimento de tecnologias capazes de produzir energia limpa e ilimitada
Publicado em 04/02/2022 - Última modificação em 08/03/2022 às 23h43
Em dois artigos publicados na revista Nature em 16 de janeiro, físicos que trabalham no National Ignition Facility (NIF), laboratório sediado na California, descrevem uma conquista científico-tecnológica que poderá entrar para a história como um dos mais relevantes marcos na busca do domínio da fusão nuclear para geração de energia. O avanço conquistado é a produção do chamado “plasma em combustão” (burning plasma), fenômeno no qual combustível submetido a pressão e temperatura extremamente altas passa a gerar, em decorrência de fusão nuclear interna, quantidade de calor maior que aquela produzida pela injeção de energia de origem externa.
Para ter uma ideia de quão extremas são as condições físicas geradoras do “plasma inflamado”, o gás de hidrogênio usado como combustível é aquecido até atingir temperaturas na casa dos 100 milhões de graus Celsius e comprimido a densidades cerca de 100 vezes maiores que a do chumbo.
Em linguagem econômica, o “plasma em combustão” marca a passagem da geração de energia por fusão nuclear para um patamar superavitário, no qual a quantidade de energia produzida por reação atômica no próprio combustível supera a quantidade de energia gasta para detonar e manter o processo. A perspectiva de otimização dessa tecnologia aponta para a conquista do Santo Graal da revolução energética: a obtenção de uma fonte ilimitada, limpa, renovável e autossustentável de energia.
Reatores nucleares convencionais, usados desde a década de 1950, produzem energia por meio da fissão, divisão de átomos pesados em elementos mais leves. A fusão, que é a fonte de calor e luz do Sol e das demais estrelas, gera energia fundindo átomos e compondo elementos químicos mais pesados. O desafio científico-tecnológico de imitar o processo estelar de geração de energia é muito mais complexo que o do domínio da fissão para o mesmo fim. Mas as vantagens potenciais da fusão são de enorme relevância ambiental e socioeconômica. Essa nova tecnologia energética promete ser muito mais poderosa e eficiente, sem emissão de carbono, geração de lixo tóxico nem insumos radioativos, e praticamente sem riscos de explosão e contaminação.
A revolução virá a tempo?
Se o domínio da fusão nuclear para geração de energia cumprir suas promessas, será, provavelmente, o início de uma nova era na história humana e planetária (trazendo, claro, novos desafios políticos e civilizacionais, incluindo a ampla distribuição de oportunidades e benefícios propiciados pela nova tecnologia).
Instalações do ITER, na França (crédito: divulgação ITER)
Esse objetivo vem mobilizando muitas iniciativas, públicas e privadas, em diversos países, para o desenvolvimento de tecnologias de fusão – com destaque para o projeto de cooperação internacional chamado ITER (International Thermonuclear Experimental Reactor), cujo reator, em construção na França, deverá entrar em funcionamento nos próximos anos. Como qualquer conjunto de projetos que consuma recursos substanciais, que poderiam impulsionar outras iniciativas, seja de inovação ou de aceleração da adoção de alternativas já disponíveis, os investimentos na busca das usinas de fusão são criticados por concorrer com outras tecnologias limpas e renováveis, como as de captação de energia solar e eólica.
No atual cenário de urgência na mitigação das causas do aquecimento global, quanto deve ser investido em algo tão promissor como a fusão nuclear, mas que ainda demandará tempo e esforços consideráveis, e sem garantia de sucesso? A novidade vinda do NIF neste início de 2022 anima aqueles que creem que, em breve, os recursos usados e os riscos assumidos darão frutos inestimáveis.
ATUALIZAÇÃO
No dia 9 de fevereiro, menos de um mês depois da divulgação acerca do plasma em combustão, outro avanço importante na busca da geração de energia por fusão nuclear foi anunciado. Nessa data, o reator do tipo tokamak chamado Joint European Torus (JET), localizado na Inglaterra e operado por engenheiros e pesquisadores associados ao consórcio europeu Euratom Fusion Programme, conseguiu manter processo de fusão durante cinco segundos, liberando 59 megajoules de energia. Estabeleceu-se, assim, um novo recorde de produção energética continua por um reator de fusão (a marca anterior era de 22 MJ). O aspecto mais importante desse feito, no entanto, foram evidências geradas pelo experimento apontando para o acerto da bilionária aposta do ITER na construção de um reator do mesmo tipo, mas bem maior e mais potente, para geração de energia por fusão em larga escala.
Divertor de reator tokamak - divulgação - copyright CEA-IRFM, C. Roux