Luiz Fernando Sanná Pinto e Luciano Wexell Severo
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Entre os fatores que caracterizam a inserção internacional dos países em desenvolvimento merece relevo a emissão de moedas inconversíveis, na medida em que a dificuldade de acesso às divisas internacionais é elemento explicativo fundamental para a existência da vulnerabilidade externa acentuada, fenômeno que caracteriza a própria condição dos países que gravitam em torno dos centros cíclicos da economia mundial. Na base da “hierarquia de moedas”, os países de menor desenvolvimento relativo apresentam baixos graus de autonomia na condução de suas políticas macroeconômicas. A necessidade de honrar os compromissos externos “engessa” a taxa de juros em patamares relativamente elevados, impedindo a subordinação da política monetária aos objetivos mais amplos de estímulo ao aumento da demanda efetiva.
Logo, a otimização do manejo da liquidez externa é importante para reduzir a vulnerabilidade e, com isso, aumentar a margem de manobra dos países em desenvolvimento na adoção de uma política econômica condizente com a necessidade de efetivar os investimentos necessários para o desenvolvimento. Nesse sentido, as iniciativas de cooperação financeira regional podem desempenhar papel importante. Ao longo das últimas décadas, os países da América Latina criaram quatro instituições com esse intuito: o Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR) (1965), o Fundo Latino-americano de Reservas (Flar) (1978), o Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML) (2008) e o Sistema Único de Compensação Regional de Pagamentos (Sucre) (2009).
Criado no âmbito do Mercosul, o SML passou a funcionar a partir da assinatura de um convênio bilateral entre os bancos centrais do Brasil e da Argentina em setembro de 2008. Na prática, o convênio funciona como sistema bilateral de liquidações e compensação, cujos objetivos principais são: i) reduzir as transferências de divisas em moeda forte; ii) fomentar a integração financeira por meio do aumento das transações diretas real-peso; e iii) reduzir os custos de importadores e exportadores com as transações financeiras, liberando-os das operações cambiais, de modo a promover, sobretudo, a participação das pequenas e médias empresas no comércio bilateral. Por meio desse sistema, os importadores dos países signatários contratam instituições financeiras para transferir em moeda local o valor equivalente ao preço do produto importado na moeda do exportador. A instituição financeira contratada, por sua vez, transfere ao banco central de seu país o equivalente em sua moeda nacional ao pagamento da operação na moeda do exportador, a taxa de câmbio real-peso calculada a partir do cruzamento da taxa de câmbio entre o real e o dólar e entre o peso e o dólar. Depois dos registros das operações de importação, os bancos centrais apresentam um ao outro as quantias a serem compensadas no dia seguinte. Feito isso, o devedor líquido do dia deve emitir ordem de pagamento em dólares para sua contraparte. Em seguida, os bancos centrais transferem às instituições financeiras indicadas pelos exportadores o valor em moeda local referente às vendas realizadas.
Desde outubro de 2008, quando foram realizadas as primeiras operações, o sistema já foi utilizado para transações que totalizam R$ 862,58 milhões. Apesar disso, é importante ressaltar o desequilíbrio na utilização do SML nas transações entre Brasil e Argentina. As importações argentinas via este sistema foram 80 vezes maior do que as brasileiras, o que pode indicar diferenças nos estímulos para utilização do instrumento nos dois países. Isso é bastante prejudicial, na medida em que diminui o grau de compensação, aumentando, ao mesmo tempo, a necessidade de utilização de divisas.
Caso a utilização do SML fosse obrigatória, a economia de moedas conversíveis e a integração financeira seriam muito mais robustas. Realizamos um exercício de como se dariam essas operações caso este sistema fosse obrigatoriamente utilizado em todas as operações comerciais intraMercosul em 2008 – partindo da premissa de que o grau de compensação diário deva ser equivalente ao de compensação anualizado: a utilização de dólares nas transações comerciais seria reduzida a 19% do valor total importado em 2008 pela Argentina, a 31,7% pelo Paraguai e a 53,7% pelo Uruguai. O Brasil, por sua vez, como exportador líquido para os demais, receberia em dólares 45,7% de suas vendas. Logo, as potencialidades do SML ainda estão longe de ser alcançadas.
___________________________________________________________________________________ Luiz Fernando Sanná Pinto é Bolsista do Ipea e doutorando em Economia Política Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Luciano Wexell Severo é Mestrando em Economia Política Internacional pela UFRJ.
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