Investimento - A força que vem de fora |
2006. Ano 3 . Edição 25 - 3/8/2006 Estudos mostram que os grandes grupos transnacionais têm planos de investimento no exterior, no ano que vem. Para atrair seu interesse e o capital produtivo, o Brasil precisa, urgentemente, reformar regulamentos e promover o crescimento econômico Por Manoel Schlindwein, de Brasília
O que o leitor diria se soubesse que existe a possibilidade de chover dinheiro estrangeiro no Brasil nos próximos anos, não para ser aplicado no mercado financeiro, mas na produção, na criação de empregos, no pagamento de impostos? Diante da penúria da poupança interna nacional, essa seria, sem dúvida, uma boa nova. E é. Há dinheiro de sobra no planeta e as empresas - muitas delas maiores do que países e com mais recursos disponíveis do que os organismos internacionais de fomento - planejam investi-lo no exterior de forma a seguir crescendo. É o que mostram estudos recentes. A questão é que, como dizia o poeta Carlos Drumond de Andrade, o mundo é vasto. A notícia não soluciona todas as questões. O Brasil não será, necessariamente, o destino do capital internacional produtivos. Terá de tomar medidas para chamar a atenção. O Brasil perde pontos na competição por capitais internacionais devido a incertezas em seus marcos regulatórios, ao baixo crescimento econômico e à instabilidade cambial. Nos anos 1990, o Brasil absorveu 21,9% dos dólares destinados à América Latina Entre os fatores de risco considerados na decisão sobre onde e como aplicar o capital, estão os seguintes: instabilidade financeira, volatilidade do preço do petróleo e das matérias-primas, protecionismo do mercado interno, terrorismo e perspectiva de desempenho econômico. O Brasil perde pontos na competição internacional por incertezas quanto à definição de marcos regulatórios, baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e instabilidade cambial. "O Brasil não pode competir com a China e a Índia em custo de mão-de-obra, mas pode oferecer vantagens suficientes para atrair uma parcela do volume de dinheiro investido no planeta", diz Alcides Leite, professor da Trevisan Escola de Negócios. A pesquisadora Luciana Acioly da Silva, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgou em junho o trabalho "Tendências dos fluxos globais de investimento direto externo", disponibilizado no site do instituto, que compõe uma pesquisa mais ampla, ainda inédita, de análise das políticas brasileiras relativas à atração de investimentos estrangeiros. Entre outras coisas, assinala as diferenças entre as políticas brasileiras, chinesas e indianas nos últimos anos. Para integrar-se à economia global, a China modernizou seu parque industrial e estabeleceu regulamentos claros para o capital externo. Em 1979, autorizou o investimento externo em setores considerados prioritários, como prospecção geológica, exploração de petróleo e gás e imobiliário. O resultado foi o surgimento de novas plantas para a fabricação de máquinas e equipamentos. A abertura da economia foi gradual e limitada a investimentos produtivos. A moeda só passou a ser conversível em meados de 1990 e as empresas estrangeiras foram incentivadas a exportar. A taxa média de crescimento econômico de 9, 5% ao ano, a ausência de endividamento externo e o cronograma de adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC) contribuíram para o sucesso do país. Na Índia, as diversas restrições às relações comerciais externas foram contornadas de maneira semelhante, aos poucos, a passos firmes.
A indústria brasileira, especialmente nos setores relacionados à metalurgia, tem atraído a atenção dos investidores, tendência que deve se manter No Brasil, recentemente, o governo federal estabeleceu uma política para a atração de investimentos sustentada em três pilares: promoção do país no exterior, apresentação de informações aos potenciais investidores e facilitação de negócios. A informação está a cargo da Rede Nacional de Informações sobre o Investimento (Renai), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). A facilitação de negócios é promovida pela Sala de Investimentos da Casa Civil. E a promoção é função da Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), que, em dezembro de 2004, implantou uma Unidade de Investimentos (UI) para tratar especificamente da questão. " A experiência internacional demonstra ser fundamental que os países promovam suas vantagens, pois a competição é muito grande", diz João Emílio Gonçalves, da UI da Apex-Brasil. A modernização, a inovação e a inserção externa, de todos os setores da economia, compõem as diretrizes da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE). "O país tem interesse nos investimentos externos diretos, notadamente nos setores de semicondutores, de software e nos considerados portadores de futuro:biotecnologia, nanotecnologia e biomassa. Os investimentos planejados em infra-estrutura, e os projetos de promoção do desenvolvimento regional, fazem parte da estratégia de atração de novos investimentos", diz Antonio Sergio Martins Mello, secretário do Desenvolvimento da Produção do MDIC. Há muito mais a ser feito, e as críticas e sugestões se acumulam. "É vital o desenvolvimento de um arcabouço legal que garanta regras estáveis e viabilize investimentos de longo prazo", diz Hélio Magalhães, presidente do Conselho de Administração da Câmara Americana de Comércio (Amcham). A Câmara mantém o que chama de Força Tarefa de Marcos Regulatórios, composta de voluntários de algumas das 6, 2 mil empresas filiadas, para avaliar o desempenho das diversas agências reguladoras brasileiras (telecomunicações, energia elétrica, vigilância sanitária e defesa da concorrência). Os dez mais
"Mercados em expansão e preços relativos estáveis (sobretudo o câmbio) reduzem riscos e melhoram a rentabilidade. Portanto, o baixo crescimento é, hoje, o maior empecilho à concretização de investimento produtivo (doméstico ou externo) no país", diz Fernado Sarti, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E adverte:um quadro marcado por estabilidade monetária, juros elevados e baixo crescimento só favorece o investimento financeiro e especulativo - não o produtivo. Esse dinheiro tem desembarcado no Brasil em grandes ondas. Os investimentos diretos externos (IDEs) vêm em fluxos menos estáveis. O Brasil já esteve praticamente empatado com a China no ranking dos países em desenvolvimento que mais captam recursos. Em 2003 nem sequer apareceu na lista dos dez mais. Especialistas acreditam que setores intensivos em recursos naturais, como a agropecuária, deverão receber injeções de capital nos próximos anos Fluxos A história evidencia a natureza cíclica dos IDEs. "Os momentos de maior dinamismo sempre coincidiram com os períodos de reestruturação industrial e patrimonial, num contexto de crescimento das principais economias e de alguns países em desenvolvimento", diz Acioly. Ao estudar os resultados da pesquisa "Prospects for foreign direct investment and the strategies of transnacional corporations - 2004-2007" (Perspectivas para o investimento estrangeiro direto e as estratégias das corporações multinacionais - 2004-2007), realizada pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad, na sigla em inglês) entre executivos de grandes conglomerados mundiais, a pesquisadora verificou haver razões para expectativas positivas: 65% dos entrevistados esperam crescimento dos fluxos de investimento externo direto no triênio 2005-2008; 25% pretendem transferir suas atividades de pesquisa e desenvolvimento - dos quais 80% planejam fazê-lo em conjunto com a produção e 50% com a estrutura de logística. No que diz respeito ao destino das aplicações, 87% apontaram a China como o país mais atrativo, seguida da Índia, com 51%. O Brasil ocupa o quinto lugar, com 20% das preferências, posição melhor do que a do México, com 16%. "Os setores intensivos em recursos naturais, como os de produtos de metais, minérios, petróleo e agricultura, podem esperar por mais investimentos na América Latina durante os próximos anos", aposta Acioly.
Fonte: Unctad,World Investiment Report A última grande onda de dinheiro externo aportou no Brasil no período das privatizações, cerca de uma década atrás. O movimento de desestatização coincidiu com a reestruturação das empresas transnacionais, que traçaram planos de expansão. Entre 1990 e 1999 o Brasil absorveu perto de 100 bilhões de dólares, 21, 9% do que foi destinado à América Latina e ao Caribe. Foi líder absoluto no continente e segundo colocado entre os países em desenvolvimento, perdendo apenas para a China. No início da década seguinte, os investimentos externos caíram 36%. Ao que tudo indica, o planeta experimenta nova primavera, com abundância de recursos e propensão ao crescimento. Há que aproveitar a temporada.
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Conferência das Nações Unidas sobre Comércio |