Indústria - Nervos de aço |
2006. Ano 3 . Edição 26 - 1/9/2006 A criação de um enorme grupo siderúrgico, de alcance g lobal e com ramif icações no Brasil, provoca a deflagração de projetos num setor que vinha evoluindo de forma tranqüila e vitoriosa. As usinas nacionais são elogiadas em todo o mundo, mas começam a sentir os efeitos da falta de escala Por Eliana Simonett i, de São Paulo
As últimas semanas foram marcadas pelo espanto diante de uma negociação que resultou no surgimento de um conglomerado siderúrgico gigantesco, o Arcelor-Mittal, primeiro do setor a superar a marca de produção de 100 milhões de toneladas de aço por ano. O caso tem a ver com o Brasil, pois a Mittal, companhia de origem indiana, é dona da reserva de minério da Mineração Brasileira de Ferro, em Caetité, na Bahia, comprada em agosto do ano passado (embora este seja, ainda, um projeto para longo prazo); e a Arcelor, com sede em Luxemburgo, controla as siderúrgicas Belgo-Mineira, Tubarão, Vega do Sul e Acesita - de onde vem um terço de seu resultado. Interessa também porque um grupo com tamanho poder, e com acesso facilitado ao ferro, à água e à energia - insumos da siderurgia que o Brasil tem em abundância -, fragiliza as condições das empresas nacionais na concorrência externa e, com isso, incita uma reorganização do setor. No anúncio da fusão, Lakshmi Mittal, presidente "honorário"do novo grupo, disse querer impulsionar o Brasil como plataforma de exportação. Para o Tesouro, essa é uma boa notícia, já que sinaliza maior ingresso de dólares no país. Os novos investimentos também deverão criar empregos. Segundo o jornal inglês Financial Times, nos últimos treze anos a indústria de aço do Brasil deixou de ser uma das mais antiquadas para se tornar uma liderança na produção global e um modelo de eficiência. O economista João Furtado, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, apresentou em 2004, no seminário realizado em homenagem aos quarenta anos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), um estudo denominado "O comportamento inovador das empresas industriais no Brasil". Nele, define o setor metal-mecânico como a fortaleza industrial brasileira. "Formado por etapas concatenadas e processos industriais complementares, a metal-mecânica beneficiou-se de inúmeros dispositivos de difusão de capacitações, conhecimentos, aptidões, práticas, desenvolvimentos tecnológicos e oportunidades inovativas", diz. "A redução de custos, a busca de eficiência, a promoção da qualidade, a diversificação dos mercados, a capacitação tecnológica, o desenvolvimento inovativo estão integrados na dinâmica competitiva do sistema. " A siderurgia faz bem ao Brasil. Após a privatização, investimentos, produção e exportações aumentaram. O país se consolidou como detentor de um parque de classe mundial A privatização, entre o final dos anos 1980 e o início da década de 1990, foi extremamente positiva (leia, no quadro abaixo, o resumo da história da siderurgia no país). Investimentos remodelaram o parque nacional, que se transformou num dos mais produtivos do planeta. Hoje, o Brasil produz 31, 6 milhões de toneladas anuais de aço. "A siderurgia faz bem ao país. Principalmente depois da privatização, os investimentos aumentaram, houve elevação expressiva da produção e das exportações, e o Brasil se consolidou como detentor de uma indústria de classe mundial. No segmento que não era estatal, dos aços não-planos, o grupo Gerdau tem capacidade para enfrentar o desafio da globalização. O país tem grandes vantagens:minério de ferro de baixo custo, alto teor de metal e baixo nível de impurezas; ótima combinação da logística mina/ferrovia/porto; e unidades bem localizadas", diz o ex-ministro Maílson da Nóbrega, sócio da Tendências, empresa de consultoria com sede em São Paulo. As vantagens atraem investimentos estrangeiros neste período em que a demanda internacional (especialmente de países asiáticos) é crescente. "Esse movimento, de aumento da demanda a uma taxa de 4% a 5% ao ano, deve se manter por mais alguns anos", diz Wieland Gurlit, especialista em siderurgia da empresa global de consultoria McKinsey. A voracidade das compras chinesas e a escalada da produção mundial de aço parecem infindáveis. Segundo dados do International Iron and Steel Institute (IISI), organismo internacional que reúne as empresas do setor, entre 1970 e 2000 a produção mundial cresceu em média 1, 2% ao ano. De 2003 a 2005, o salto foi de 17% - isso em quantidade, porque com o aumento dos preços o faturamento das empresas praticamente dobrou. A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) anda ansiosa para aproveitar a maré e, mesmo sendo minoritária em algumas companhias, tem influenciado decisões. Planeja a construção de uma nova usina, com capacidade de produção de 5 milhões de toneladas anuais de placas de aço. Tem ainda participação em dois projetos que fabricarão 6, 8 milhões de toneladas por ano a partir de 2008: a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), em parceria com a alemã Thyssen Krupp; e a Ceará Steel, fruto de consórcio com a italiana Danieli e a coreana Dongkuk. Há outros três projetos para o Rio de Janeiro, para os anos de 2007 e 2008.
Nacionais A prosperidade do setor no Brasil é notável. O grupo Gerdau obteve lucro líquido de 975, 9 milhões de reais no segundo trimestre deste ano, 9, 3% superior ao registrado no mesmo período do ano passado. Tem 26 fábricas, das quais dezesseis estão no exterior - quatro delas adquiridas nos últimos dois anos, nos Estados Unidos e na Colômbia. As exportações e as empresas estrangeiras do grupo são responsáveis por mais de 70% de seu faturamento bruto. Segundo Marcelo Pinho, professor de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos, a Gerdau não é apenas o mais internacionalizado grupo siderúrgico brasileiro, mas a empresa nacional com o maior volume de ativos no exterior. Linha de produção da Usiminas: faturamento de 13 bilhões de reais em 2005 e associações na Argentina, na Venezuela e no México Outra potência nacional do ramo, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) concluiu, no início de agosto, as negociações para a fusão de seus ativos nos Estados Unidos com a americana Wheeling-Pittsburgh, recentemente recuperada de um processo de falência. Segundo comunicado das empresas, o acordo envolve direitos de distribuição exclusivos dos produtos laminados planos da CSN na América do Norte e um compromisso de longo prazo para o fornecimento de placas pela empresa brasileira. Nos últimos doze meses, as ações da CSN experimentaram valorização de 52, 83% - a maior do setor e quase cinco vezes superior à elevação média do índice da Bolsa de Valores de São Paulo, que ficou em 10, 26%. O Sistema Usiminas, formado pelas Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais e pela Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), faturou mais de 13 bilhões de reais em 2005. "Vivenciamos uma nova fase de crescimento da indústria mundial de aço, caracterizada principalmente pela demanda chinesa. Assistimos também à continuidade do processo de consolidação, reflexo da globalização. Diante desse quadro de constantes mudanças e variáveis diversas, nossas usinas operam num ambiente de estabilidade e buscam constantes avanços", disse Rinaldo Campos Soares, diretor-presidente do grupo Usiminas, ao anunciar os resultados, em meados de agosto. Trincheira Há, no entanto, uma preocupação do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) de criar uma estrutura que garanta a competitividade das siderúrgicas sob controle de capital nacional. Num estudo feito para o banco, os economistas Pedro de Almeida Crossetti e Patrícia Dias Fernandes afirmam:"A siderurgia brasileira é reconhecida internacionalmente pela qualidade dos produtos, pela confiabilidade quanto a prazos e fornecimento, e por seu aprumo tecnológico. Sua principal falta está na escala". O país é o nono produtor mundial de aço, mas suas empresas têm menos de 25% da capacidade de produção da Arcelor-Mittal. A usina nacional mais bem colocada no ranking do IISI é a Gerdau, 14ª do mundo. Essa, na verdade, é uma proeza. O sistema siderúrgico global é muito pulverizado. A portentosa Arcelor-Mittal, que acaba de nascer, produz três vezes mais aço do que sua concorrente mais próxima, a japonesa Nippon Steel, mas é capaz de abastecer apenas 10% do mercado. Há uma infinidade de aciarias minúsculas, muitas delas norte-americanas (aliás, controladas por investidores estrangeiros), que disputam cada fagulha de pedido da indústria manufatureira. Essa não tem sido uma questão suficientemente esclarecida. A notícia da fusão entre a Mittal e a Arcelor provocou tal estupor que grande parte dos especialistas na área preferiu se recolher. A expectativa é que outros negócios sejam feitos para melhorar as margens de lucro e o poder de barganha das usinas, que vivem mais ou menos entrincheiradas. De um lado, dependem dos fornecedores de ferro, setor extremamente concentrado, composto basicamente de três grandes companhias globais (entre elas a Vale). De outro, estão sujeitas aos humores da indústria - e seus compradores preferenciais são as poucas montadoras de veículos restantes, depois de um processo de concentração muito mais radical do que o da siderurgia. O governo brasileiro, de qualquer forma, já mostrou estar disposto a agir: no início de agosto, foi editada uma medida provisória sobre o pacote cambial que aumentou os limites de empréstimos concedidos pelo BNDES. Segundo o presidente do banco, Demian Fiocca, a intenção é atender à perspectiva de crescimento de investimentos no setor privado do país. "A mudança dá mais folga e os recursos vão fluir. Vamos apoiar grandes projetos de investimentos de empresas privadas", afirmou. A portentosa Arcelor-Mittal, que acaba de nascer, abastece só 10% do mercado. As preocupações estão voltadas para o movimento internacional de concentração de empresas e também para o crescimento ímpar da economia chinesa. Segundo o Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS), entre 2000 e 2004 a produção chinesa de aço saltou 114, 96% (leia, no quadro abaixo, entrevista com o vice-presidente do instituto). Com o passar do tempo, o país deve alcançar a auto-suficiência. Um grande problema, pois boa parte do mercado, atualmente, trabalha para saciar o apetite chinês. Haverá, portanto, instabilidade nas empresas e nos preços. Além disso, é de supor que a China aumente a venda de produtos acabados e abale toda a cadeia produtiva. Pátio de armazenagem de ferro para exportação da Vale, maior fornecedora global da matéria-prima Pior: há risco de desinvestimento. Os impostos sobre bens de capital e obras, que aumentam o custo das aplicações e reduzem a competitividade brasileira pelo gosto dos donos do dinheiro, são problemas conhecidos. Compõem o Custo Brasil - sabidamente elevado. Há outras questões nessa área. Recentemente, a coreana Posco, segunda maior no ranking mundial, que pretendia fincar uma estaca no Brasil em parceria com a CVRD, transferiu seu projeto para a Índia. Motivos: a Índia tem um plano estruturado para dobrar sua capacidade de produção até 2013, com investimentos governamentais, privados nacionais e externos; e tem se equipado, em termos de infra-estrutura, para receber investidores e viabilizar seus planos. Na China ocorre algo semelhante. O país planeja ter, até 2020, dez grandes empresas capazes de suprir 70% das necessidades de aço do mercado interno. Muitas multinacionais têm se estabelecido por lá. O IISI recentemente abriu um escritório em Pequim, pois é das siderúrgicas chinesas que saem 30% do aço bruto produzido no mundo nos dias atuais.
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