2011 . Ano 8 . Edição 67 - 20/09/2011
Foto: João Viana |
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Rodrigo Abdala, Daniel Castro e Antonio Lassance no Congresso Panamericano de Comunicação, Brasília, dezembro de 2010
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João Claudio Garcia Rodrigues Lima – de Brasília
Panorama da Comunicação e das Telecomunicações no Brasil, obra em três volumes, lançada pelo Ipea, faz um balanço das políticas e dos estudos de comunicação. Trata-se do mais abrangente levantamento sobre o setor já feito no país
Poucas vezes em sua história democrática o Brasil se pôs a discutir a comunicação como uma área estratégica para o desenvolvimento nacional. Os esforços foram insuficientes para derrubar o estereótipo de atividade típica do setor privado, ainda encarada pela sociedade como um domínio de alguns empresários e famílias poderosas. À medida que a comunidade acadêmica interessada no assunto ganha corpo, novos estudos se tornam cruciais para compreender a estrutura, o conteúdo, as transformações e os desafios do campo da comunicação no país. Ciente dessa lacuna, o Ipea e a Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (Socicom) firmaram uma parceria.
Frutos dessa experiência, três volumes da obra Panorama da Comunicação e das Telecomunicações no Brasil foram lançados em novembro de 2010, em Brasília. O debate sobre as características da atividade em si aparece no primeiro e no terceiro volume – Colaborações para o debate sobre telecomunicações e comunicação, e Tendências na comunicação, respectivamente. Os livros correspondem a um levantamento inédito de dados e análises sobre essa indústria. Matéria publicada na edição 65 da Desafios do Desenvolvimento já tratou das análises de telecomunicações presentes na obra.
ASPIRAÇÕES COLETIVAS “Esperamos que os indicadores coletados contribuam para fortalecer o sistema democrático e, consequentemente, oferecer condições ao desenvolvimento de sistemas de comunicação comprometidos com a preservação das identidades nacionais, o interesse público e as aspirações coletivas”, afirmou José Marques de Melo, presidente da Socicom e um dos organizadores do livro. “A ausência de interlocução com o Estado ensejou a realização de estudos nem sempre alinhados com as demandas da sociedade”, acrescentou, explicando deficiências em pesquisas anteriores e ressaltando a relevância da parceria com o Ipea para a realização dos livros.
A cooperação entre as duas instituições levou à contratação de quatro doutores bolsistas para coordenarem as equipes encarregadas das pesquisas que integram o volume 3 da obra. Os temas são Estado do Conhecimento 2010, Tendências Ocupacionais e Profissionais, Indústrias Criativas e Conteúdos Digitais, e Panoramas Nacionais da Comunicação.
O capítulo sobre tendências ocupacionais demonstra como o perfil dos profissionais vem se adaptando às novas tecnologias de transmissão de dados. “Estão surgindo muitas profissões relacionadas com as mídias digitais. Esse mercado é composto tanto por profissionais oriundos dos campos de conhecimento da comunicação como de outros campos de conhecimento”, disse Andrea Ferraz Fernandez, pesquisadora vinculada ao Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Mato Grosso. “No entanto, tínhamos inicialmente uma lista grande de nomes de possíveis novas profissões, e verificou-se que essa lista era menor, pois, devido ao tamanho do país, algumas ocupações têm nomes diferentes em partes distintas do país. Isso exigirá uma pesquisa mais aprofundada sobre essas atividades ou o que cada profissão faz exatamente.”
O texto traz um amplo levantamento das ocupações relacionadas à comunicação no Brasil, o tipo de formação comum para cada uma delas e as perspectivas para os próximos anos. O balanço inclui cursos a distância, cursos técnicos oferecidos pelo Sistema S, e inclui, ainda, médias salariais das profissões tidas como consolidadas. “Chegamos às conclusões de que há, sim, uma relação forte entre idade e salário recebido. Quanto maior a idade, maior a remuneração. O mesmo vale para o grau de instrução. Quanto mais qualificada a pessoa, maior é o salário”, destacou Fernandez. No mesmo capítulo, há análises sobre polêmicas pontuais da comunicação no Brasil, como a obrigatoriedade (ou não) do diploma para exercício do jornalismo, o impacto da convergência nas ocupações, o estágio obrigatório e a ampliação do mercado para assessores de comunicação.
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“Parece-me que estamos caminhando para o pressuposto de que as plataformas tenderão a ser multifuncionais e a identidade midiática – isso eu coloco apenas no campo de uma primeira reflexão – tenderá a se preservar no conteúdo e na forma narrativa”
Alexandre Kieling, professor da da Universidade Católica de Brasília (UCB)
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TRAJETÓRIA DAS MÍDIAS Tão interessante quanto essa prospecção dos caminhos profissionais é a análise das perspectivas de trajetória das diferentes mídias. O trabalho, liderado pelo professor Alexandre Kieling, da Universidade Católica de Brasília, compõe o terceiro capítulo do volume 3, sobre os efeitos da digitalização nas indústrias criativas e de conteúdos digitais. Kieling observa que essa transição para o meio digital tende a diluir os sistemas e processos hierarquizados e verticais característicos dos meios analógicos, levando à previsão de “diluição das audiências e fragmentação do consumo”. Valendo-se de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, o pesquisador relatou o grau de penetração das distintas mídias na sociedade brasileira, a produção e o faturamento delas.
Kieling dá pistas sobre como enxerga o panorama da comunicação no futuro. “Parece-me que estamos caminhando para o pressuposto de que as plataformas tenderão a ser multifuncionais e a identidade midiática – isso eu coloco apenas no campo de uma primeira reflexão – tenderá a se preservar no conteúdo e na forma narrativa”, afirmou. “Essa forma de contar a história, antes completamente delimitada pelas características de produção e distribuição, tende agora a permear, a trafegar por diversas mídias.”
O Panorama da Comunicação e das Telecomunicações não se restringe a abordar a situação do Brasil de maneira isolada do cenário internacional. Sivaldo Pereira da Silva, professor-adjunto da Universidade Federal de Alagoas e professor-colaborador da Universidade Federal da Bahia (UFBA), abordou em seu capítulo os perfis nacionais da comunicação em 11 países da comunidade ibero-americana. Em um segundo momento, o estudo incluiu, também, os demais Bric (Rússia, Índia e China).
Cosette Castro, professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Católica de Brasília e uma das organizadoras do livro, destacou essa dimensão da pesquisa. “Há essa preocupação de que tenhamos indicadores por meio dos quais possamos estabelecer o panorama da situação nacional e compará- -la com outros países, observar outras boas práticas, para pensar uma política nacional na área de comunicação, particularmente na área de conteúdos e serviços digitais”, disse.
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“Boa parte dos países latinoamericanos só tem mestrado, não têm doutorado. São dados que precisam ser continuamente pesquisados, atualizados, e precisam ser cruzados, por exemplo, com PIB e população,precisam ser submetidos a análises qualitativas”
Sivaldo Pereira da Silva, professor-adjunto da Universidade Federal de Alagoas e professor-colaborador da Universidade Federal da Bahia (UFBA)
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Ao estudar, com sua equipe, a realidade acadêmica e os progressos de cada país, Sivaldo concluiu que o Brasil dispõe de boas condições para aprofundar a pesquisa em comunicação. “O país tem uma estrutura interessante se comparada aos demais. Boa parte dos países latino-americanos só tem mestrado, não têm doutorado. São dados que precisam ser continuamente pesquisados, atualizados, e precisam ser cruzados, por exemplo, com PIB e população, precisam ser submetidos a análises qualitativas”, afirmou Sivaldo. Ele ilustra a importância dessa abordagem qualitativa com o exemplo do México, país que possui 1.006 cursos de graduação em comunicação, mais que qualquer outro país ibero-americano. Em relação aos cursos de doutorado, entretanto, os mexicanos têm apenas uma opção, criada em 2009.
Durante esta etapa da pesquisa, pode-se comparar indicadores como “existência de garantias constitucionais sobre liberdade de expressão ou princípios correlatos”, “implantação do sistema de TV digital”, “número de usuários de internet”, “leitura de jornal impresso” e “número de instituições de ensino em graduação e pós-graduação”. A seleção dos indicadores foi influenciada pela disponibilidade dos dados, alguns deles de acesso difícil, especialmente em Cuba e nos integrantes do BRIC.
PANORAMA CONTINENTAL No primeiro volume do Panorama da Comunicação e das Telecomunicações, uma série de artigos enfoca desafios específicos dessa área no Brasil. Digitalização, implantação da TV digital interativa, concentração de capital e um modelo de comunicação institucional são alguns dos temas abordados. Um dos textos de apresentação, de José Marques de Melo, constata que “diretrizes para regular o sistema nacional de comunicação massiva, primeiro a imprensa e depois a mídia eletrônica (...), nunca foram articuladas num corpo doutrinário autônomo” no Brasil. E considera “inadiável a formulação de políticas públicas de comunicação consentâneas com as demandas do século XXI”.
A mesma demanda aparece no artigo de Antonio Lassance, diretor de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Ipea e ex-assessor da Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Lassance analisa a comunicação institucional do poder público e retrata como conceitos são deturpados nesse debate. O pesquisador aponta como desafios a institucionalização da atividade, “partindo de princípios republicanos essenciais e detalhando seu modus operandi a partir de consultas sucessivas, participação popular (conselhos e conferências) e estreita cooperação com os outros poderes e órgãos de controle”.
Anita Simis, professora da Universidade Estadual Paulista, adota tom parecido, mas centrada no cinema e nas indústrias criativas e de conteúdos. E André Barbosa Filho, assessor especial da Casa Civil da Presidência da República, explica o processo de implantação da TV digital no país e suas oportunidades enquanto ferramenta de inclusão.
O resultado da obra está disponível para download gratuito no sítio do Ipea (www.ipea.gov.br).
Chamada pública para novas pesquisas
Agora foco recai sobre seis temas. Pesquisas já estão em andamento
Diante dos resultados positivos obtidos no primeiro ano do projeto Panorama da Comunicação e das Telecomunicações no Brasil, o Ipea abriu uma nova chamada pública para seleção de projetos, em julho de 2011. Neste ano, porém, o escopo dos estudos foi ampliado para seis temas: estado do conhecimento; indústrias criativas e de conteúdos digitais; tendências profissionais, ocupacionais e do terceiro setor no campo da comunicação; serviços, aplicativos e conteúdos digitais multiplataformas para o campo público; regulação; e indicadores e perfil nacional.
As inscrições ficaram abertas até 3 de agosto, e neste momento as pesquisas estão em andamento para serem apresentadas, em primeira versão, ainda este ano. O projeto, embora inédito no Brasil, tem larga tradição em países como Estados Unidos e alguns da União Europeia, como Espanha, França e Portugal. Neles, costuma ser desenvolvido no formato de anuário.
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