Os antropólogos e o desenvolvimento |
2012 . Ano 9 . Edição 72 - 15/06/2012
Qual o papel da antropologia diante do atual esforço nacional para o desenvolvimento? Para refletir sobre essa questão, entrevistamos sete importantes intelectuais vinculados à Associação Brasileira de Antropologia. A iniciativa faz parte de um esforço do Ipea para abrir seu leque de pesquisas e atividades, visando formular um conceito de desenvolvimento que contemple a proteção da população, o reconhecimento social e cultural de várias comunidades tradicionais e a preservação ambiental. A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) dirigiu, durante a II Conferência do Desenvolvimento (Code), em setembro de 2011, o eixo temático “Desenvolvimento: Desafios e perspectivas antropológicas”. A colaboração da entidade com o Ipea faz parte de um esforço mútuo para que o Instituto se abra a temas e disciplinas que não integravam seu ideário inicial, voltado à economia.
A ABA, fundada em 1955, é a mais antiga das associações científicas existentes no país, na área das ciências sociais. Ela ocupa, segundo sua página na internet, “um papel de destaque na condução de questões relacionadas às políticas públicas referentes à educação, à ação social e à defesa dos direitos humanos”.
Cornelia Eckert – Os antropólogos estão sendo demandados na definição de políticas de desenvolvimento também no meio urbano. Temos uma importante função de mediação com as populações periféricas e não privilegiadas. A antropologia aos poucos tem sido convidada a participar de fóruns interdisciplinares de projetos sociais que atuam em conflitos sociais e problemas urbanos, como no caso de remoções motivadas pelas obras da Copa, atuando em ONGs e em entidades que discutem prevenção de desastres e catástrofes. No Rio Grande do Sul, por exemplo, atuamos em grupos de defesa civil para mostrar a ausência de poder público em relação às tragédias urbanas que têm acontecido. Nossa reivindicação é de uma maior demanda de nossa especialidade na mediação de conflitos em problemas socais.
AGENDA AMPLIADA José Sergio Leite Lopes – A ABA tinha uma agenda inicial de defesa das comunidades indígenas, que se estendeu a povos tradicionais. Isso se ampliou. Hoje estudamos operários metalúrgicos, têxteis, químicos, trabalhadores da cana etc. Também se trata de estudar a proletarização de grupos tradicionais, uma consequência do capitalismo. O folclore e a cultura tradicional se transformaram em defesa da cultura e proteção desse patrimônio imaterial. Envolver a defesa desses grupos demanda termos uma concepção ampliada de desenvolvimento. Houve uma ideia inicial baseada apenas no desenvolvimento tecnológico e no fortalecimento nacional. Essas formulações tiveram um ponto de apoio importante na Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), da ONU, na década de 1950. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) dessa época eram os 50 anos em 5, de Juscelino Kubitschek. Chega-se a 1963-1964 com o desenvolvimento voltado à expansão do mercado interno, pela extensão universal dos direitos do trabalho, pela reforma agrária etc. Por isso houve [o golpe de] 1964, porque se ampliou a ideia de desenvolvimento. Celso Furtado, o grande teórico dessa matriz, foi cassado por causa disso. Na hora em que há uma retomada do desenvolvimento é preciso aprender com os erros do passado. É preciso ampliar o sentido do desenvolvimento desde o econômico ao cultural, ao social e a outras áreas, para que os novos direitos que estão surgindo venham a ser incorporados. João Pacheco de Oliveira – Se nosso país tem alguma consciência sobre sua diversidade, certamente isso se deve aos antropólogos, a pessoas como Gilberto Freire e Darcy Ribeiro, que mostraram que o Brasil não é branco, não é europeu, tem raízes indígenas e negras. Tem raízes na escravidão e na colonização. O reconhecimento das terras indígenas mostra que esses indivíduos não são isolados. Eles só existem em comunidade e só terão sua cultura reconhecida quando tiverem terra e recursos assinalados na Constituição de 1988. Os últimos anos têm consagrado o Brasil como um país plural, diversificado, a partir da base do interior. Isso se refletiu também na atribuição de direitos. Mas esses direitos, ao mesmo tempo em que são reconhecidos, não se traduzem em práticas concretas.
O MEIO AMBIENTE Andrea Zhouri – Nosso trabalho revela a existência de múltiplos caminhos do desenvolvimento. Há uma preocupação com as condições de trabalho dos antropólogos nas áreas de políticas públicas, especialmente nas áreas de licenciamento ambiental. A portaria interministerial 419, de outubro de 2011, reduz bastante os prazos para pronunciamentos técnicos em relação às grandes obras. São prazos que não condizem com um trabalho antropológico mais sério. Trinta dias para um profissional emitir um parecer sobre um grande projeto, com equipes exíguas na Funai, no Incra e no Ibama torna muito difícil a realização de um trabalho sério. Há muitos projetos sendo realizados ao mesmo tempo. Só na Amazônia temos definidas sessenta barragens hidrelétricas! Gostaríamos, nesse quadro de mudanças nos marcos regulatórios dos códigos, de pensar em alternativas para um diálogo para que esses esforços governamentais tenham efeito prático. AS NARRATIVAS DO DESENVOLVIMENTO Bela Feldman-Bianco – Existe o perigo de um nacionalismo metodológico, a partir do Estado. No final dos anos 1980, começo da década seguinte, falava-se muito no colapso do Estado-nação. O Estado não acabou, mas houve uma reformulação. Há um aumento de transnacionalismo e, ao mesmo tempo, um aumento de localismo. No Brasil, hoje, é o Estado que ganha força novamente, pois o neoliberalismo deu no que deu. Há várias narrativas, que competem entre si. É preciso ver qual será a dominante.
GLOBALIZAÇÃO E BARREIRAS Andrea Zhouri – Trabalhamos muitas vezes com processos transnacionais. A globalização também é a disjunção. Mostramos os fluxos, os contrafluxos, a criação de barreiras que contestam o mito da globalização inclusiva. Ela muitas vezes engloba diferenciando e não trata a todos igualmente. José Sérgio Leite Lopes – É complicado pensar na formação do Estado-nação em grande dimensão, quando percebemos que segue- -se classificando as pessoas tal como no primeiro Censo, de 1872. Aplicavam-se critérios cromáticos: as pessoas são brancas, amarelas, pardas etc. Precisamos chamar a atenção da questão classificatória e formal. Do mesmo modo a ideia de território e meio ambiente, que não são estáticos. A antropologia se contrapõe a essa glaciação e a esse congelamento de conceitos.
HISTORICIDADE E TRABALHO João Pacheco de Oliveira – Há várias camadas históricas. Em determinados momentos, a tecnologia expulsa os trabalhadores industriais do emprego. É o caso, por exemplo, da mineração, uma atividade altamente insalubre, agravada pela urgência da produção. No entanto, quando essa atividade cessa, as pessoas que nela trabalharam, que formaram uma certa cultura, lamentam. Os operários passam a ser um grupo condenado, e são vistos como parte de uma tecnologia do passado, com gestos repetitivos, que em certa época eram a esperança de um futuro e uma utopia. É preciso estudar isso.
RISCOS DA PROFISSÃO João Pacheco de Oliveira – A antropologia é uma profissão extremamente arriscada. Os profissionais, ao fazerem seus trabalhos, são constantemente ameaçados pela ação de vários poderes. Isso porque encontramos sempre as dissonâncias entre as leis e as práticas. Muitas vezes somos vítimas de campanhas de difamação. É fundamental que os planejadores não pensem que este país, na Amazônia, por exemplo, é feito de vazios. Há populações com cálculos, estratégias e planos de ocupação. Elas precisam ser incorporadas nos processos de desenvolvimento. Temos de ter em conta que as ações dos órgãos governamentais são desmobilizadoras. Essas populações são frequentemente vítimas de violência e interesses de madeireiros, mineradores, contrabandistas e de narcotraficantes. Elas querem alternativas de construção de país. |