Onde está o investimento privado? |
2012 . Ano 9 . Edição 74 - 31/10/2012
Marcel Gomes – de São Paulo O governo tem usado de incentivos, convencimento e pressão para incentivar o investimento privado e reduzir os efeitos internos da crise internacional. Apesar das privatizações dos anos 1990, grande parte do dinheiro alocado em serviços e infraestrutura foi feito pelo Estado. A necessidade de planejar e atender à população com qualidade e preços competitivos colocam em pauta também a necessidade de uma fiscalização mais eficiente por parte das agências reguladoras
O governo federal “inaugurou” em 2012 a temporada de caça aos investimentos privados. Com o diagnóstico de que o empresariado pode fazer muito mais pelos setores de infraestrutura, sobretudo aqueles em que participa da gestão, a presidenta Dilma Rousseff tem empregado diversos mecanismos de incentivo, pressão e convencimento.
TRANSPORTES E LOGÍSTICA Entre as carências de infraestrutura do país, uma das mais notáveis está no setor de transportes e logística. A matriz rodoviária, a mais cara e poluente, predomina no deslocamento das mercadorias. Em um país continental, caminhões transitam por milhares de quilômetros em estradas esburacadas e mal sinalizadas. Para atacar o problema, o governo lançou em agosto o Programa de Investimentos em Logística, que prevê a aplicação de R$ 133 bilhões em obras de rodovias federais e ferrovias, ao longo de 25 anos.
O programa prevê a concessão de 7,5 mil quilômetros de estradas e a duplicação de 5,7 mil. O modelo de disputa selecionará a concessionária pelo menor valor de tarifa de pedágio a ser cobrada dos usuários, o que já foi testado em outras concessões de rodovias, como a Fernão Dias, entre São Paulo e Belo Horizonte. Por exigência contratual, o concessionário só poderá exigir pedágio após a conclusão de 10% das obras previstas. Cobrança em área urbana é proibida.
A expectativa do governo é elevar o investimento privado. Em 2011, o empresariado alocou R$ 3,8 bilhões nas rodovias, alta de 40% sobre 2002. É pouco, porém, se comparado ao que o setor público vem investindo. Em 2011, os governos federal, estaduais e municipais colocaram R$ 10,5 bilhões nas estradas, com expansão de 238% sobre 2002. Esses montantes, compilados pelo coordenador de Infraestrutura Econômica do Ipea, Carlos Alvares da Silva Campos Neto, foram atualizados em valores de dezembro de 2011. No caso das ferrovias, o Programa de Investimentos em Logística também aposta no apoio do capital privado para a reforma e construção de 10 mil quilômetros de trilhos. Há trechos considerados estratégicos em termos de logística, como o ferroanel de São Paulo e as ligações ao porto de Santos e entre Rio de Janeiro e Vitória. O modelo escolhido pelo governo mais uma vez se foca na menor tarifa: o leilão de concessão será vencido pela companhia que oferecer o mais baixo preço para o trânsito dos trens. Além disso, os trilhos terão de ser compartilhados por várias empresas.
DÚVIDAS E DESAFIOS Apesar da expectativa do governo em atrair o empresariado, o coordenador do Ipea Campos Neto alerta que há um teto não muito alto para eles. “Depois da concessão desses 5,7 mil km de rodovias, não haverá muitos outros trechos interessantes para o setor privado”, diz ele. Isso significa que o poder público jamais poderá abandonar seu papel de investidor em estradas, sobretudo na abertura de novas rotas. “Há pouca disposição das empresas para construir novas rodovias. A opção é sempre receber a estrutura já pronta”, explica Campos Neto.
O coordenador do Ipea diz que a mesma lógica vale para os aeroportos. Em fevereiro, o governo leiloou os terminais de Guarulhos, Brasília e Campinas, e planeja fazer o mesmo com as estruturas de outras cidades. Os leilões arrecadaram R$ 24,5 bilhões, e os concessionários terão de investir mais R$ 16 bilhões durante o período do contrato. Campos Neto alerta, porém, que a iniciativa privada tem interesse em apenas “10 ou 12 dos 66 aeroportos administrados pela Infraero”. Nesse caso, também, o poder público terá de se manter como um grande investidor aeroportuário. Em 2011, o investimento nesse setor no país era praticamente 100% público, seja via orçamento fiscal ou Infraero. No total, foram aplicados R$ 1,9 bilhão no ano passado, alta de 267% sobre 2002.
ÁREA ATRAENTE Se há uma área que, na opinião de Campos Neto, poderá conquistar mais o interesse do empresariado, é a de portos. Não é à toa que o governo federal prepara um novo pacote para o setor, em que se prevê a construção de terminais pela iniciativa privada e a aplicação de novos investimentos em unidades arrendadas antes da Lei 8.630 (Lei dos Portos), o que seria possível a partir do lançamento de um novo marco regulatório. Espera-se que três novos terminais devam ser construídos e administrados pela iniciativa privada: um em Ilhéus (BA), outro em Manaus (AM), e um porto de águas profundas em Vitória (ES). “Há muitos atrativos para os portos, como um investimento menor para a construção, se comparado a outras obras, e a carência que temos no setor, que viu o comércio internacional crescer 125% entre 2003 e 2011, em termos de valor”, diz o coordenador o Ipea. Ele espera que esses novos aportes ajudem a elevar a taxa de investimento total em infraestrutura no Brasil – que cresceu para R$ 23,1 bilhões em 2011, um montante 141% superior ao de 2002, mas que ainda se mantém bem abaixo do aplicado por outros países emergentes. O Brasil investe cerca de 0,7% de seu PIB em infraestrutura, enquanto China, Rússia e Coreia superam os 3%. TELECOMUNICAÇÕES NA BERLINDA Se no setor de transporte a estratégia do governo federal para atrair investimento privado é o convencimento, no caso das telecomunicações predomina a pressão. Segundo Rodrigo Abdalla de Sousa, pesquisador do Ipea e especialista no tema, entre as privatizações da década de 1990 e o ano de 2009 predominou o “modelo neoliberal”. “Tudo estava entregue às empresas. Elas fariam o investimento e a operação, e estiveram submetidas a uma regulação atrasada e fraca”, afirma. Sem uma coordenação central, os investimentos se concentraram “no setor comercial de Brasília, na avenida Paulista, em São Paulo, e na avenida Rio Branco, no Rio”, deixando grandes clarões pelo país. Mesmo nas regiões mais endinheiradas, porém, o serviço tornou-se caro e de baixa qualidade Essa história começou a mudar, explica Sousa, com o lançamento do Programa Nacional de Banda Larga, em 2010. Seu objetivo é proporcionar o acesso ao serviço a 40 milhões de domicílios brasileiros até 2014, a um preço mais barato que o oferecido, à época, pelas operadoras privadas. A Telebrás foi reativada para executar o programa e prestar suporte a políticas de conexão à internet direcionadas a universidades, centros de pesquisa, escolas, hospitais e outras localidades de interesse público. Por sua vez, as operadoras privadas oferecem os planos de acesso mais baratos ao consumidor final – o que, muitas vezes, não acontece, segundo recorrente denúncia da organização não governamental Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).
Na época de anúncio do programa, os investimentos foram estimados em R$ 12,8 bilhões, entre desonerações, capitalização da Telebrás, investimentos em pesquisa e financiamentos. Ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) caberia a metade da origem desses recursos, majoritariamente do Estado. Mas, se o setor público fazia sua parte corrigindo erros da privatização, qual seria a contribuição do setor privado?
A resposta a essa questão começou a se materializar com a insatisfação pública manifestada através das listas de reclamações de usuários mantidas pelos Procons. Em julho deste ano, diante da baixa qualidade dos serviços, o Procon de Porto Alegre decidiu proibir as quatro grandes operadoras de telefonia móvel – Vivo, Tim, Claro e Oi – de venderem novos planos. Mais tarde, a proibição foi levada a todo o estado. O exemplo gaúcho exigiu que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) tomasse providências. Como o problema não atingia apenas o Rio Grande do Sul, a Anatel decidiu proibir a venda de novos chips em todo o país. A penalização foi aplicada por estado e atingiu a operadora com maiores problemas em cada um deles. Claro, Tim e Oi foram penalizadas, e apenas a Vivo escapou. Todas, porém, tiveram de apresentar um plano de investimentos para superar as carências. As operadoras foram ao governo e prometeram injetar de cerca de R$ 20 bilhões até 2014, sendo que R$ 4 bilhões teriam sido garantidos pela suspensão da venda de novos chips. Os recursos devem ser aplicados, sobretudo, no aumento do número de antenas de telefonia celular, em equipamentos para aumentar a taxa de transmissão de dados e na melhoria do atendimento aos clientes.
Novas hidroelétricas em construção utilizam o mecanismo. Entre elas, o projeto de Belo Monte, tocado pelo consórcio Norte Energia, que tem entre seus membros empresas estatais e privadas como Chesf, Queiroz Galvão e Vale. “O ‘project finance’ trouxe segurança aos investidores”, explica o consultor em energia e diretor do Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo Carlos Augusto Kirchner. O mesmo valeria para o BNDES, que também financia a maior parte das grandes e bilionárias obras, inclusive Belo Monte. “Se é mais seguro para o investidor privado, também é para o BNDES”, defende Kirchner.
Para Campos Neto, do Ipea, realmente o “investimento privado deixou de ser um problema para o setor elétrico”. Isso não significa, porém, que o governo tenha deixado as empresas do setor, estatais ou privadas, livres de pressão. A bola da vez é o custo da eletricidade no Brasil, visto como um dos fatores que tiram a competitividade da indústria nacional e comprometem o orçamento das famílias.
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