2013 . Ano 10 . Edição 76 - 25/02/2013
Paulo Kliass
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Ao longo de 2012, o governo adotou um conjunto de medidas visando a desoneração tributária da folha de pagamento das empresas. As regras do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) prevêem duas fontes básicas como receita para o modelo. De um lado, as empresas devem recolher o equivalente a 20% sobre o valor dos salários de seus empregados. De outra parte, os assalariados recolhem sua cota na base de 11% da remuneração. Finalmente, os autônomos recolhem 20% sobre seus rendimentos.
Com as alterações introduzidas, uma série de setores teve alteradas as condições de contribuição. As empresas deixaram de recolher com base nos salários e passaram a sofrer a tributação sobre o seu faturamento. Trata-se de uma antiga demanda das entidades empresariais, que colocam a contribuição previdenciária sobre a folha como fator de elevação do chamado “custo Brasil”.
A mudança teve início com o anúncio de uma experiência localizada em poucos setores. Mas rapidamente foi espalhada e em abril de 2012 já havia 15 ramos sendo benefi ciados, incluindo áreas tão díspares como têxteis, confecções, materiais elétricos, bens de capital, hotelaria e call centers, entre outros. De acordo com as novas regras, as empresas deveriam substituir a desoneração sobre salários pelo recolhimento de alíquotas variáveis de 1% a 2% sobre seu faturamento. Eventuais diferenças seriam cobertas pelo Tesouro Nacional para evitar prejuízos ao RGPS.
Em setembro de 2012, o governo ampliou a lista de setores, introduzindo 25 novos ramos da economia, a serem benefi ciados a partir do presente ano. A lista também chama a atenção pela diversidade, com transportes coletivos (aéreo, rodoviário, marítimo e fl uvial), alimentos (aves, suínos, pescado, pães e massas), farmacêuticos, linha branca (fogões, refrigeradores e lavadoras), entre outros. Finalmente, no mês de dezembro a administração federal anunciou a inclusão da construção civil entre os benefi ciários pelo novo modelo.
A medida ocorre em momento de importantes mudanças na composição do sistema previdenciário em nosso País. Fatores como o aumento da expectativa de vida, o retardamento da entrada no mercado de trabalho e a redução do grau de informalidade na economia já operam como elementos modifi cadores. A introdução de variável como a fonte de receita certamente provocará impacto sobre o equilíbrio econômico-fi nanceiro do RGPS.
A previsão inicial divulgada pelo governo é de que haveria uma perda de arrecadação tributária equivalente a R$13 bilhões em 2013. Para que o sistema se mantenha sem choques que comprometam sua capacidade atuarial, deve-se contar com a referida garantia de repasses da diferença por conta do Tesouro Nacional. Ocorre que as contas previdenciárias carregam há décadas resultados defi citários exatamente em função da não-participação da tesouraria federal. É o caso das despesas com os benefícios concedidos aos trabalhadores do campo, que foram contemplados com tal direito a partir de promulgação da Constituição em 1988. Também podem ser citadas as atividades e os ramos econômicos benefi ciados por isenção prevista em lei, os enormes passivos judiciais não solucionados e a prática da sonegação.
Quando os órgãos da grande imprensa repercutem os “enormes défi cits do RGPS”, não mencionam o fato de que tais necessidades de fi nanciamento pouco têm a ver com os fundamentos do modelo. As informações constantes nos boletins do Ministério da Previdência demonstram tais diferenças de forma bem objetiva. Caso seja considerada apenas a parcela do sistema que tem suas contas corretamente equacionadas (os trabalhadores urbanos), o regime não apenas está equilibrado, como apresenta até mesmo um superávit.
Se considerarmos o acumulado das operações ao longo dos últimos 12 meses, a situação dos trabalhadores urbanos, a preços de novembro de 2012, apresentava um volume de receitas de R$ 274 bilhões e um total de despesas de quase R$ 250 bi. Ou seja, esse subconjunto do regime está superavitário em R$ 24 bi – um cenário bastante distante das avaliações catastrofi stas que estão a embasar as propostas de reformas previdenciárias com redução de direitos para os participantes.
A desoneração da folha de pagamentos, porém, pode vir a provocar impacto negativo sobre o atual equilíbrio. A intenção dos empresários é reduzir sua carga tributária. Assim, a expectativa é que o volume a ser recolhido aos cofres públicos seja menor pelo sistema da alíquota sobre o faturamento. Caso o novo modelo seja defi nitivo, o Tesouro Nacional deverá passar a cobrir a diferença de forma sistemática. Nesse caso, o balanço líquido das contas públicas envolvidas apresentará saldo defi citário.
___________________________________________________________________________________ Paulo Kliass é doutor em economia pela Universidade de Paris 10 (Nanterre) e integrante da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, do governo federal.
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