O instituto que ajudou o país a crescer |
2014 . Ano 11 . Edição 81 - 05/10/2014
Concebido com o objetivo de projetar o desenvolvimento do Brasil, o Ipea teve um papel essencial na elaboração de políticas públicas voltadas para o Estado e a sociedade Washington Sidney
Foi nesse contexto que nasceu o Escritório de Política Econômica Aplicada (Epea), que depois seria transformado em instituto (Ipea). Concebido pelo então ministro do Planejamento, Roberto Campos, tinha o objetivo de produzir dados, diagnósticos, informações, conhecimentos e projeções econômicas e sociais para a formulação de políticas públicas, com uma visão criativa e global da economia e da sociedade. Coube a João Paulo dos Reis Velloso, que mais tarde se tornaria ministro do Planejamento dos governos dos generais Garrastazu Médici e Ernesto Geisel, o comando do novo órgão. “Quando o ministro Roberto Campos me convidou para criar uma instituição que pudesse pensar o Brasil no médio e longo prazo, vi que alguma coisa nova estava surgindo no país”, lembrou o economista, em entrevista concedida na cerimônia de jubileu dos 50 anos do Ipea. Convite feito, missão aceita. Velloso começou então a recrutar economistas e especialistas em diferentes áreas do conhecimento.
A primeira tarefa era complexa: pretendia-se ir mais adiante do que propunha o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), um volume de 244 páginas com duas linhas de atuação: políticas conjunturais de combate à inflação e reformas estruturais para remover os gargalos que obstaculizavam o crescimento econômico do país. As medidas de curto prazo vinham dando resultados razoáveis: a inflação caíra. A estabilidade dos preços, associada a uma ampla reforma financeira e institucional que devolvera ao Estado o equilíbrio fiscal e a capacidade de investimento, ensejou, mais adiante, um período de crescimento bem mais intenso, que ficou conhecido como “milagre econômico”. Uma ambição maior, no entanto, era conceber uma estratégia de crescimento sustentado, com mudanças estruturais mais amplas, no médio e longo prazo. OS PNDs O peso do Ipea na elaboração das políticas macroeconômicas se tornaria ainda maior três anos depois, com a formulação do Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social, o qual mudaria radicalmente o país. “Era o que se chama de master plan, uma visão de longo prazo, que o Brasil nunca mais fez. Desse plano é que derivaram os Planos Nacionais de Desenvolvimento, os planos específicos, operativos”, lembra Divonzir Gusso, técnico aposentado do Ipea. O país vivia um tempo de forte intervenção do Estado na economia. Um primeiro planejamento, com propósitos mais operativos – o Programa Estratégico de Desenvolvimento –, foi gerado dentro do próprio Ipea, no governo Costa e Silva, com a participação de economistas brasileiros e americanos da Universidade de Berkeley, que aqui chegaram por meio de um convênio firmado com o Ipea, no âmbito da Aliança para o Progresso. Tinha como meta preparar a infraestrutura necessária ao desenvolvimento do país na década seguinte, com ênfase em setores como os de transportes e telecomunicações, além de prever investimentos em ciência e tecnologia. “Ao longo do tempo, passamos a analisar as políticas econômicas, em vez de concentrar o foco no planejamento. Durante os Planos Nacionais de Desenvolvimento I e II, de que participei, o enfoque era o planejamento. Isso foi bom porque, de fato, o Brasil nunca tinha tido a importância do governo, mesmo durante a ditadura, de impor planos. Havia a participação do setor privado, a necessidade de considerar investimentos públicos e privados”, recordou o economista Albert Fishlow, em entrevista à Desafios do Desenvolvimento. Carla Lisboa A CRISE DO PETRÓLEO No plano econômico, as metas propostas por Reis Velloso e Mário Henrique Simonsen foram atingidas nos primeiros anos. O país cresceu, em média, 11% ao ano e a inflação não chegava a 20%. Mas veio a crise do petróleo e o novo presidente, general Ernesto Geisel, viu-se forçado a uma mudança de rumos. A balança comercial acumulava déficits, a inflação saltara para 34,55% em 1974 e crescimento do país caíra. Era preciso reorganizar as bases da economia para dar resposta à nova conjuntura econômica mundial. Entrou então em cena o II PND, também elaborado pelo Ipea, agora dividido em dois órgãos: um de pesquisa econômica de médio e longo prazo, no Rio, e outro voltado para o desenvolvimento do planejamento integrado às ações do governo, em Brasília. O II PND previa investimentos em pesquisa, prospecção, exploração e refinamento de petróleo e em fontes alternativas de energia, como o álcool, a fim de reduzir a dependência do petróleo árabe. Contudo, o plano do governo ressentiu-se do impacto da crise, do aumento da dívida externa e do desequilíbrio da balança de pagamentos. De todo modo, graças à reorganização das bases da economia, com pesados investimentos na produção de insumos básicos e bens de capital, o Brasil conseguiu, pela primeira vez em sua história, dominar todo o ciclo produtivo industrial. “Com o II PND, o governo procurou avançar nos setores nos quais a energia era cara no mundo e em que o país teria custos menores. Então, estimulou-se a siderurgia, a indústria petroquímica, a indústria do alumínio. O país tinha energia elétrica abundante. O II PND foi ligado à produção de certos produtos que se podia exportar. E foi bem-sucedido porque se voltou para setores que utilizavam aquilo que, para o mundo, era escasso e caro: a energia”, analisa o economista Dércio Munhoz. “Foi um governo nacionalista, um dos mais conscientes que tivemos no pós-guerra”, conclui. Fruto de um estudo do setor de energia do Ipea, a indústria petroquímica, implantada no governo Geisel, constitui um capítulo à parte na história da instituição. Depois disso, várias pessoas que eram do órgão foram recrutadas para o Ministério das Minas e Energia, criado naquela época. “O Ipea fazia esses estudos e a turma que tinha trabalhado aqui acabava indo para a Esplanada trabalhar nos Ministérios, a fim de executar esses planos”, recorda Divonzir Gusso. A JOIA DE VELLOSO Além da industrialização, o Brasil herdaria do II PND um grande avanço na área agrícola: o Polocentro, considerado uma das joias do então ministro do Planejamento, Reis Velloso. No início dos anos 1970, acreditava-se que o Cerrado não tinha potencial agrícola. Velloso achava que tinha e se articulou com Maurício Reis, então responsável pela área de agricultura do Ipea. O instituto preparou um programa de aproveitamento da região, conhecido também como Programa do Cerrado, executado ainda no governo Geisel. Divulgação O que se tinha no Cerrado, naquela época, era uma pecuária extensiva e arroz de sequeiro, sem tecnologia e de muito baixa produtividade. “O Cerrado só aconteceu depois que o governo tomou a decisão política de provocar o desenvolvimento do Centro-Oeste. Foi uma aposta, uma coisa meio espiritual. Quer dizer: provocar o desenvolvimento do Centro-Oeste colocando como carro-chefe o desenvolvimento da agricultura e sem ter agricultura”, analisa o chefe da Embrapa Cerrado, José Roberto Peres. A partir de uma parceria entre Ipea, Embrapa, universidades e empresas estaduais de pesquisa, acelerou-se o processo de geração de tecnologia. O grande investimento, no primeiro momento, foi corrigir a acidez do solo e prepará-lo com os nutrientes necessários – fósforo, potássio e nitrogênio. A revolução agrícola foi de tal magnitude que impressionou o mundo. Na sequência, a Embrapa criou o Programa de Desenvolvimento do Cerrado (Prodecer), que atraiu colonos de toda parte do Brasil e até do Japão, país conhecido por suas experiências na área da agricultura. Inserido no processo produtivo, o Cerrado se transformava em uma potência agrícola, responsável hoje por 70% de toda a produção do Brasil. Com uma agricultura largamente modernizada e uma indústria que se fortalecia, o Brasil sentiu a necessidade de ampliar sua participação no mercadomundial. Era também um recurso para fazer frente ao déficit crescente na balança comercial provocado pela crise do petróleo. Mas o Itamaraty não tinha um mecanismo para estimular as exportações. O embaixador Flecha de Lima decidiu, então, criar nas embaixadas brasileiras um escritório de promoção comercial, em parceria com o Banco do Brasil. O problema é que não havia pessoal qualificado. Flecha de Lima recorreu então ao Ipea a fim de desenvolver no centro de treinamento do instituto (Cendec, que fora criado em 1966) toda uma linha de capacitação de funcionários especializados para a promoção do comércio exterior. A política externa brasileira ganhava nova orientação: para além do alinhamento automático com os EUA, ampliavam-se as relações diplomáticas e comerciais com os países da África, Ásia e Europa. A RECESSÃO O início do governo do general Figueiredo foi marcado pela retração econômica. O agravamento do déficit na balança de pagamentos e o crescimento da dívida externa, em razão do novo choque do petróleo e das altas taxas de juros mundiais, inviabilizaram a política desenvolvimentista. Mesmo assim, Delfim Neto, reconduzido ao Planejamento, insistiu nos altos índices de crescimento. Com investimentos pesados na área de habitação, o PIB cresceu 9,2% em 1980. Em compensação, o déficit em transações correntes chegou a US$ 12,7 bilhões. Já não era possível manter a política de endividamento para garantir o crescimento do país. Fazia-se necessário um ajuste nas contas públicas. E foi o que aconteceu. “Até então, quem estava no mercado formal de trabalho tinha assistência médica da Previdência Social e quem estava fora não tinha, era atendido muitas vezes como indigente. Não havia essa concepção de direito social” Os programas sociais, que em 1977 representavam 46% dos gastos da União, despencaram para pouco mais de 20% em 1982. O alvo principal do governo foi a Previdência Social, cujo elevado déficit constituía um entrave nas negociações da dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Foram feitos cortes de benefícios, controladas as internações e aumentada a arrecadação por meio de novas contribuições sociais. Medidas que poderiam ter sido amenizadas se o Estado tivesse colocado logo em prática um estudo de modernização do sistema previdenciário feito no Ipea, em 1978, pelos técnicos Maria Emília e Custódio Mattos. A Previdência não era considerada do ponto de vista econômico, mas tão-somente como uma questão de legislação específica de benefícios. O Ipea começou a elaborar, na época, um estudo econômico dos benefícios, de sua evolução e de seu peso no PIB. E constatou que estava havendo um crescimento muito elevado da participação da despesa de benefícios no PIB, insustentável no médio e longo prazo. “Começamos a discutir, dentro do Ipea, medidas corretivas para tornar as despesas da Previdência Foto: João Viana/ Ipea O estudo apresentou várias propostas que, mais adiante, ajudariam a reduzir o impacto da Previdência sobre as contas públicas, entre elas o alongamento do tempo de serviço para as aposentadorias, que era muito curto na época. “O que o estudo mostrou é que estava se criando uma bola de neve. Ele antecipou a necessidade de mudanças graduais”, observa Custódio. O principal mérito do trabalho foi trazer à tona, pela primeira vez, a discussão do financiamento da Previdência. Discussão que resultou, anos depois, nas reformas do sistema e até mesmo na criação do fator previdenciário. O Ipea, mais uma vez, estava à frente de sua época. luta contra a miséria Considerados a década perdida da economia, os anos 1980 renderam frutos na área social, como resultado dos estudos realizados pelo Ipea. As cidades haviam inchado em decorrência do êxodo rural e a população de baixa renda, submetida à desnutrição e às precárias condições de vida em áreas sem estrutura sanitária, engrossava as estatísticas das doenças transmissíveis e da mortalidade infantil. A área de saúde, fragmentada entre a saúde pública e a medicina previdenciária, não tinha as condições adequadas para responder às novas e graves demandas geradas pelo modelo de desenvolvimento econômico concentrador de riquezas.
Com um histórico de estudos e publicações nas áreas de saúde e nutrição que remontam à segunda metade da década de 1960, o Ipea, que nos anos 1970 já havia formulado o Programa Nacional de Alimentação e Nutrição (Pronan) e o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS), começava a trabalhar as bases da orientação para as questões relacionadas ao financiamento e à economia da saúde. Surge, na época, a ideia de articular melhor as ações do Ministério da Saúde com a assistência médica da Previdência Social. Esse processo começou com o PIASS, ganhou força com as Ações Integradas de Saúde e o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS) e acabou resultando no Sistema Único de Saúde (SUS). “Isso tudo começou na década de 1980. Mas o mais importante foi a VIII Conferência Nacional de Saúde, em 86. Os técnicos do Ipea trabalharam até na relatoria da conferência. Essa conferência estabeleceu o marco, os pontos principais do que viria a ser o processo constituinte na saúde, a proposta do SUS”, conta o técnico de Planejamento e Pesquisa aposentado Sérgio Piola, autor de vários estudos nessa área. Na sequência da conferência, o Ministério da Saúde criou a Comissão Nacional da Reforma Sanitária, composta por pessoas de vários ministérios, do Legislativo e de organizações da sociedade civil. O objetivo da comissão era pensar a proposta da área de saúde a ser discutida na Assembleia Nacional Constituinte, em 1988. Vinculado na época ao Ministério do Planejamento, o Ipea teve intensa participação naquela comissão. O grupo de trabalho preparou as grandes teses da discussão da saúde como direito, o que representou grande mudança na Constituição. Foi também no início dos anos 1980 que a equipe de saúde do Ipea começou a elaborar o levantamento e a análise sistemática dos gastos públicos federais por áreas consideradas sociais. O primeiro estudo, realizado para os anos de 1983 e 1984, contou com a colaboração de William McGreevey, do Banco Mundial. Esse estudo foi chamado de Conta Social Consolidada e constituiu um produto típico da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, até os dias atuais, sob o nome de Gasto Social Federal. A importância da Conta Social é colocar em um mesmo trabalho todos os gastos sociais do governo. Divulgação Em parceria com a OPAS, Fundação Oswaldo Cruz e Faculdade de Saúde Pública da USP, no final dos anos 1980, o Ipea teve papel de destaque no desenvolvimento da economia da saúde no Brasil. Ao manter ativa a produção de estudos e pesquisas, coordenou a elaboração do primeiro livro sobre o tema editado no país. E compartilhou com o Ministério da Saúde a condução de programa de cooperação técnica do Reino Unido para a área de economia da saúde. Esse programa propiciou a realização de estudos, a capacitação de gestores do SUS e pesquisadores nacionais. MAPA DA FOME Os anos 1990 começaram sob a égide de uma recessão econômica profunda e prolongada, com elevado índice de desemprego e inflação aguda. Ao assumir o Palácio do Planalto, com o impeachment de Fernando Collor de Mello, o ex-presidente Itamar Franco se deparou com o desmanche dos programas sociais, em especial os de alimentação e nutrição, o que motivou uma grande pressão dos prefeitos para melhorar a merenda escolar. Decidido a atender a demanda dos gestores municipais, Itamar convocou os técnicos do Ipea, que meses antes haviam elaborado uma proposta de descentralização da merenda escolar. Teve início então a descentralização do maior e mais eficiente programa de alimentação escolar do mundo, que hoje atende a 43 milhões de alunos dos ensinos fundamental, médio e de educação de jovens e adultos matriculados em escolas públicas, filantrópicas e entidades comunitárias conveniadas com o poder público. O repasse direto dos recursos para as prefeituras viabilizou a economia dos municípios e proporcionou o apoio à agricultura familiar, além de flexibilizar os cardápios, que passaram a ser adaptados aos hábitos alimentares de cada região. Na sequência, os técnicos do instituto ajudaram na revisão do Programa do Leite, criado no governo Sarney e extinto por Collor. E recriaram, juntamente com o Ministério da Saúde e o INAN, a política de nutrição para o grupo materno-infantil. Estavam lançadas as bases para a construção de um programa mais amplo de segurança alimentar no Brasil. Divulgação/MDS “Fomos novamente chamados pelo Itamar para uma reunião com representantes do PT e com o Betinho, que depois fez todo o movimento da Ação da Cidadania”, lembra Anna Maria Peliano, técnica de Planejamento e Pesquisa aposentada do Ipea. Em uma das reuniões, todas realizadas no instituto, Betinho pediu ao órgão que fizesse um Mapa da Fome no Brasil. “Apresentei esse mapa em uma reunião com o Itamar e todos os ministros, e ele pediu que fosse feito um plano de combate à fome e à miséria no país”, conta Anna Peliano. A partir daquele plano, foi criado o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea). Quando se elegeu, na esteira do sucesso do Plano Real, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tinha como compromisso de campanha criar o Comunidade Solidária. O governo convocou os técnicos do Ipea para elaborar a proposta do programa a partir da experiência do Consea. O Mapa da Fome foi usado como critério de seleção de municípios mais pobres e vários programas foram criados, entre eles o Bolsa Escola e o Vale Gás, que beneficiaram mais de cinco milhões de famílias de baixa renda. No governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, todos os programas sociais foram unificados no Bolsa Família, em um processo que também contou com a participação dos técnicos do Ipea. “Fomos chamados para integrar o grupo de trabalho e contribuímos muito na discussão com toda a experiência que tínhamos. De fato, participamos de todo o processo de elaboração e lançamento do Bolsa Família”, afirma Anna Peliano. Em 2013 o programa completou 10 anos, com 50 milhões de beneficiários. E tornou-se referência mundial de transferência de renda, entrando para a agenda de vários países e organismos internacionais. |