O PPA e a arte de planejar |
2014 . Ano 11 . Edição 82 - 31/12/2014
“Nós estamos vivendo Com o intuito de reacender a discussão sobre planejamento e desenvolvimento do país sob uma perspectiva estratégica de médio e longo prazos, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) lançou os primeiros livros da coletânea intitulada Pensamento Estratégico, Planejamento Governamental e Desenvolvimento no Brasil Contemporâneo, com artigos de pesquisadores das mais diversas áreas, de dentro e fora do Instituto. Os quatro primeiros livros tratam especificamente do Plano Plurianual (PPA), dispositivo criado na Constituição de 1988 que obriga o governo a apresentar, no início do primeiro ano de mandato até o dia 31 de agosto, um plano estabelecendo suas prioridades por meio do leque de políticas públicas existentes ou especialmente criadas para tanto, os investimentos e a programação de despesas para os quatro anos à frente. Durante a fase de elaboração dos livros, o Ipea analisou, em parceria com outros órgãos governamentais – tais como a Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, a Controladoria Geral da União, o Tribunal de Contas da União e a Secretaria Geral da Presidência da República –, além de pesquisadores da Fundação Getulio Vargas, da Universidade de São Paulo, da Universidade de Brasília, da Fundação João Pinheiro de Minas Gerais e mais de duas dezenas de pesquisadores contratados para analisar as experiências dos PPAs de dez estados da Federação, os avanços metodológicos, desafios e resultados obtidos pelo PPA 2012-2015. Todo este acúmulo de reflexões e conhecimento aplicado converteu- se nos quatro primeiros livros da referida coleção, com destaque para o quarto volume – PPA 2016-2019: inovação institucional e revolução administrativa –, que oferece subsídios para a reorganização do processo de planejamento governamental no Brasil e propostas específicas para o plano que está em formulação neste ano de 2015. Com a proximidade da entrega do próximo plano, a revista Desafios conversou com o coordenador do projeto, José Celso Cardoso Jr., e com Ronaldo Coutinho Garcia, técnicos de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest), sobre o PPA 2012-2015 e as propostas possíveis e executáveis para o próximo plano plurianual. Para José Celso Cardoso Jr., a principal virtude do PPA desde o seu surgimento sempre foi a tentativa de transformar o planejamento em uma função permanente de governo, na medida em que se tem como exigência constitucional que o governo produza, em todo início de mandato, um plano para os próximos quatro anos que sirva como orientação para a ação coletiva do governo naquele mandato. Apesar disso, um dos problemas que persistem no PPA, segundo o pesquisador, é que ele ficou restrito a um horizonte de muito curto prazo, apenas quatro anos, e isso, de certa maneira, acabou esvaziando o planejamento de sua função intrínseca, que é pensar o país estrategicamente a longo prazo, e não apenas em um mandato governamental. Por isso, faz-se necessário repensar e discutir com pesquisadores e acadêmicos as lacunas existentes a fim de produzir propostas de melhoria para o planejamento governamental e a gestão pública no país. Nesse sentido, José Celso explica que a ideia da coleção surgiu da carência e da necessidade de se fazer uma reflexão estratégica sobre o Brasil e o desenvolvimento. “Nós estamos vivendo um período de crise, de desconfiança, de estagnação. Isso tudo reflete a falta de uma visão de futuro e de projeto para o país”, explica. Perguntados sobre as propostas do Ipea para o próximo PPA (2016- 2019), José Celso e Ronaldo Garcia consideram necessário, idealmente, um redesenho organizacional da função planejamento no Brasil. Para tanto, seria importante fazer com que toda a estrutura de planejamento estratégico do governo, hoje dispersa por vários órgãos e com funções sobrepostas em vários casos, se reagrupasse em torno de uma nova e mais potente Secretaria de Planejamento e Coordenação Governamental, no âmbito da Presidência da República. É necessário repensar as De outro lado, a atual estrutura do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, uma vez renomeada, dedicar-se-ia de modo mais explícito às funções propriamente de gestão pública, tecnologia da informação, patrimônio da União, relações de trabalho no setor público etc. Para os pesquisadores, a medida eliminaria sobreposições entre os órgãos e conflitos de competência, conferindo maior peso e centralidade do planejamento no processo de governar. A segunda ordem de mudanças propostas está ligada diretamente a uma reengenharia interna do próprio PPA, para que as políticas públicas possam ser pensadas em uma perspectiva de desenvolvimento de longo prazo e não especificamente em quatro anos. A ideia, segundo José Celso, é que o plano, atualmente organizado em programas temáticos, seja reorganizado em uma estrutura focada em objetivos estratégicos (de médio e longo prazos) e metas governamentais de curto prazo, ou seja, projetadas para o horizonte de quatro anos do PPA. “O governo definiria, então, quais são as áreas estratégicas nas quais quer atuar e os objetivos estratégicos de cada ministério. Para que assim, dentro desse objetivo mais geral, que extrapola o horizonte dos mandatos, seja possível traçar metas possíveis de serem realizadas no período de quatro anos”, explica o pesquisador. Essas metas, por sua vez, seriam a referência principal para a elaboração anual da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e da LOA (Lei Orçamentária Anual). “O governo federal define Assim, o planejamento diria o que o orçamento deve fazer. “Seria uma mudança real de causalidade dentro da mecânica atual PPA, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei de Orçamento Anual, que são os instrumentos que existem para a efetivação das políticas públicas”, esclarece o técnico. José Celso observa que, com essa reengenharia do plano, a sociedade também poderia participar mais e cobrar do governo as metas que não fossem cumpridas a cada período. O pesquisador Ronaldo Coutinho, que já escreveu vários artigos sobre planejamento e PPA, destaca outra proposta do Ipea, agora sobre como organizar as ações governamentais no território, tendo em vista que uma parte das ações do governo federal é executada de forma descentralizada. “O governo federal define a política, mas transfere recursos e competências para os outros entes federados – sejam estados ou municípios. No entanto, estados e municípios também têm os seus problemas e as suas deficiências. Então, é necessário que haja uma cooperação interfederativa com vistas a enfrentar essas questões”, explica. Segundo ele, o governo federal deve dispor de um sistema de planejamento que se organize com vistas a enfrentar esse desafio da integração e do desenvolvimento territorial num país de dimensões continentais e muita heterogeneidade regional, como o Brasil. COLEÇÃO Os primeiros livros da coleção Pensamento Estratégico, Planejamento Governamental e Desenvolvimento no Brasil Contemporâneo, anunciados em seminário na sede do Ipea em março de 2015, trazem estudos e proposições de colegas do próprio Instituto, servidores públicos vinculados a outras organizações, acadêmicos e pesquisadores nacionais e estrangeiros. O primeiro livro da série, Planejamento e Avaliação de Políticas Públicas, é uma homenagem aos técnicos do Ipea Ronaldo Coutinho Garcia e Martha Cassiolato. A obra sobre temas de planejamento, PPA e avaliação de políticas públicas ao longo dos últimos 15 anos, faz uma espécie de registro documental do Ipea em torno dos temas citados. O segundo livro, PPA 2012-2015: experimentalismo institucional e resistência burocrática, faz uma avaliação global do atual PPA do ponto de vista jurídico, da gestão pública, das estratégias de monitoramento, dos instrumentos de governo que operacionalizam o plano – como a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual –, dos controles interno e externo e do ponto de vista da participação social no planejamento e no monitoramento do plano. O terceiro livro, PPA 2012-2015: a experiência de planejamento estadual no Brasil, discorre sobre o PPA na esfera estadual, tendo em vista que os estados também são obrigados a elaborar este plano a cada quatro anos. Por fim, o quarto livro desse primeiro esforço coletivo, PPA 2016-2019: inovação institucional e revolução administrativa, traz propostas para o próximo PPA em relação à dimensão jurídica, orçamentária, de monitoramento, controle e participação. A obra traz ainda propostas sobre como melhorar o processo de participação da sociedade no monitoramento e avaliação do PPA, uma série de propostas correlatas que giram em torno da possibilidade de promover mais uma rodada de aperfeiçoamentos no plano. Segundo José Celso, a coleção encarna e resume os dilemas e desafios contemporâneos, que compreendem a inserção internacional soberana; a macroeconomia para o desenvolvimento: crescimento, estabilidade e emprego; a infraestrutura econômica, social e urbana; a estrutura tecnoprodutiva avançada e regionalmente integrada; a sustentabilidade ambiental; a proteção social, garantia de direitos e geração de oportunidades; e o fortalecimento do Estado, das instituições e da democracia. “A coleção é um ponto de chegada para determinadas fases da pesquisa, mas um ponto de partida para uma articulação institucional e uma discussão pública que abre um leque de possibilidades para o país e para o próprio trabalho institucional do Ipea”. Ou seja, “o projeto não se encerra no lançamento dos livros, ele começa com o seu lançamento”, conta José Celso. Outros seis livros, ainda em construção, estão previstos para o biênio 2015/2016. São eles: Pensamento estratégico e desenvolvimento; Estado e administração pública no Brasil; Planejamento setorial e a perspectiva territorial; Instituições e instrumentos para o planejamento do desenvolvimento; Métodos e processos de planejamento governamental, monitoramento e avaliação; e Ipea 50 anos. |