Comércio - Justo Bens de raiz |
2004. Ano 1 . Edição 2 - 1/9/2004 Mercado do extrativismo começa a ganhar força no Brasil. Mobilização de famílias e apoio de organizações da sociedade civil fazem diferença no progresso do setor. Por Maysa Provedello, de Brasília Trançados feitos pelos moradores da região do rio Arapiuns, no Pará, onde se desenvolve o projeto Saúde e Alegria Açaí, guaraná, castanha-do-pará, castanha de caju, juta, mel, madeira, cupuaçu, urucum, pupunha, copaíba, cipó, borracha natural, raízes em geral. A lista de bens naturais que quando convertidos em produtos geram renda para muitas famílias brasileiras, sobretudo na região Norte, é quase interminável. Colher frutas, sementes, ervas, madeiras e fibras pode parecer atividade de subsistência. Mas aos poucos tal impressão vira coisa do passado. Hoje, segundo estimativa do Ministério do Meio Ambiente, cerca de 200 mil famílias, ou um milhão de pessoas que vivem na região amazônica dependem do extrativismo. Além do impacto sobre o bolso das famílias, o extrativismo sustentável é uma das mais eficientes formas de preservação da biodiversidade. "É uma alternativa econômica para as populações que vivem nessas áreas. Elas têm os mesmos direitos que quaisquer cidadãos e não podem ficar sem ganhar dinheiro", diz Nilto Tatto, diretor do Instituto Socioambiental, organização não-governamental que trabalha, entre outras iniciativas, com projetos de agro-extrativismo. "Muitas comunidades já enxergam a floresta como um negócio sério", aponta Roberto Esmeraldi, diretor da Amigos da Terra, outra organização ambiental envolvida com o tema. E este novo ponto de vista é positivo, tanto para o meio ambiente quanto para o desenvolvimento humano na região. Indica uma mudança de paradigma: se a floresta continuar em pé, pode significar trabalho e dinheiro por muitas gerações. No chão, com madeiras vendidas, gera dinheiro no curto prazo e não deixa nenhuma promessa de futuro. A maior parte das comunidades atreladas a esse novo enfoque é composta pelas chamadas populações tradicionais, formadas por moradores de reservas ambientais, territórios indígenas e áreas quilombolas. Há cerca de 20 anos, as bases lançadas pelo seringueiro e ativista Chico Mendes, assassinado em 1988, transformaram-se em uma revolução silenciosa, que começa a dar frutos agora, literalmente. Desde aquela época, famílias de várias partes da região amazônica, sobretudo aquelas residentes em áreas de reservas extrativistas, passaram a associar-se. Assim, ficava mais fácil fazer compras e vendas, batalhar por direitos não cumpridos, fazer barulho e lutar quando havia ameaças de fazendeiros e posseiros. As lideranças locais também passaram a interagir com representantes de governos e da sociedade civil, nacional e internacional, ganhando -além do reconhecimento dos trabalhos extrativistas- aprendizado de técnicas de manejo florestal, colheita, precificação e comércio sustentável. O Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (leia reportagem publicada na primeira edição de Desafios), no estado do Amazonas, é um dos mais relevantes exemplos de núcleo de excelência em manejo de recursos naturais, servindo como modelo de exploração para países como Tanzânia, Peru, Argentina, Colômbia e Guiana Francesa. Esse movimento, antes focado em regiões bem específicas, principalmente no sul do Acre, área forte na extração da borracha, passou a espalhar-se por outras localidades, inclusive fora da Amazônia, como em algumas partes da Mata Atlântica e do Cerrado. "É interessante que essa onda esteja se formando de baixo para cima, de forma autêntica, sem grandes interferências governamentais, mas com o apoio igualmente importante de várias partes", avalia Tatto. O secretário de Coordenação da Amazônia, do Ministério do Meio Ambiente, Jörg Zimmermann, explica que até o momento a ajuda federal tem sido pontual, coordenada pelo próprio ministério, mas com a participação integrada de outros órgãos públicos, instituições internacionais, organizações não-governamentais brasileiras e estrangeiras e, nos últimos tempos, da iniciativa privada. Sérgio Alécio, presidente da Cooperativa Agroextrativista dos Produtores de Epitaciolândia e Brasiléia (Compaeb), do Acre, conta um pouco dos avanços obtidos com um processo de certificação de qualidade da castanha-do-Pará, agora também conhecida como castanha-do-Brasil. "Melhoramos toda a cadeia produtiva, desde a extração até o transporte e, assim, aumentamos o total extraído e agregamos valor ao produto", diz. O preço da lata de 10 quilos de castanha passou de no máximo dois reais para uma média de treze reais e cinqüenta centavos. Supermercado A rede de supermercados Pão de Açúcar lançou em meados de 2003 o programa Caras do Brasil, que consiste na venda, em condições diferenciadas, de produtos de pequenas comunidades que defendem o meio ambiente e têm preocupação com o desenvolvimento social. O portfólio tem dois segmentos principais: itens artesanais (jogos americanos, panos de prato, cestarias, potes de barro, entre outros) e alimentos. Foram desenvolvidas gôndolas especiais para chamar a atenção para os produtos. Quem entra para o programa tem todos os direitos dos outros fornecedores e alguns privilégios. "Recebem o pagamento em dez dias, prazo bastante inferior ao usualmente praticado, não pagam qualquer tipo de taxa de exposição e determinam o preço a ser cobrado", explica Beatriz Queiróz, gerente de especialidades do Pão de Açúcar e responsável pela iniciativa. Riscos Grupos interessados nas atividades de extrativismo, principalmente aquele tipo conhecido como agroextrativismo, atrelado a algum tipo de agricultura de apoio ou subsistência, pipocam em todo o país. O Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) desenvolve, entre outras ações, o Programa de Pequenos Projetos (PPP), com apoio do Pnud. Ao todo, são apoiadas 125 ações na área do cerrado. Eles têm como base a conservação da Natureza e a inclusão social. "Tais critérios são fundamentais para que seja conseguida a fixação do homem no campo e a alteração do modelo de comércio que coloca o capital acima do ser humano e do meio ambiente", diz Luís Carraza, consultor da ISPN. O Vale do Ribeira, no estado de São Paulo, também tem comunidades quilombolas exercitando o agro-extrativismo, coordenados pelo Instituto Socioambiental. *Com Clarissa Furtado e Andréa Wolffenbüttel. |