Infraestrutura - O nó dos portos brasileiros |
2005. Ano 2 . Edição 8 - 1/3/2005 A indefinição sobre o sistema regulatório inibe os investimentos na expansão e modernização dos portos brasileiros e prejudica as exportações.
Draga no porto de Santos: serviço necessário para aumentar a profundidade das águas no cais Principal porta de entrada e saída de mercadorias no país, os portos brasileiros iniciaram o ano de 2005 com esperança de reverter o quadro preocupante em que se encontram - resultado de mais de uma década de falta de investimento e de problemas na organização do setor. A promessa de liberação de recursos pelo governo - 226 milhões de reais em 2005 - e o anúncio de vários investimentos privados são motivo de comemoração. A modernização dos portos entrou na agenda de prioridades do governo federal. A tarefa para os técnicos de Brasília não é pequena. É preciso rever a organização e os marcos regulatórios para assegurar o desenvolvimento do setor, bem como sanear e reestruturar as oito Companhias Docas federais e as empresas estaduais e municipais responsáveis pela administração dos 40 portos públicos brasileiros. Até hoje as empresas públicas não se adequaram totalmente à função que ganharam após a Lei de Modernização de Portos (Lei nº 8.630), de 1993: administrar os operadores privados e criar uma relação mais estável e segura entre o poder público e os empresários, além de realizar os investimentos necessários à manutenção e à modernização da infra-estrutura comum. A solução é a dragagem do material acumulado, que deve ser feita em prazos regulares, geralmente de dois em dois anos. Em alguns portos a última dragagem foi feita há dez anos, por falta de dinheiro, lentidão no processo de licitação ou dificuldades na liberação das licenças ambientais. Mais sério, e também de solução mais dispendiosa, é o problema do acesso aos portos brasileiros. As ferrovias não são suficientes e as rodovias estão em péssimo estado. A situação se repete na maior parte dos portos e é agravada pela falta de armazéns em número suficiente para organizar o fluxo de carga e evitar filas de caminhões. Somados, esses entraves levam a demoras nos portos e ao pagamento de altos valores em multas pelo tempo em que o navio fica parado. Levantamento feito em maio de 2004 pela multinacional de soja Bunge, de origem holandesa, previa que as empresas brasileiras pagariam cerca de 1,2 bilhão de dólares em multas aos donos dos navios. Segundo o estudo, o Brasil registra a média de 22 dias por ano de estadia adicional de navios nos portos no período da safra. Na entressafra, esse tempo cai para cerca de dez dias. Cada dia parado custou, em 2004, 50 mil dólares por navio.
A comissão lançou no final do ano passado um conjunto de medidas prioritárias voltadas para os 11 principais portos brasileiros em movimentação de cargas: os de Rio Grande (RS), Paranaguá (PR), Vitória (ES), Rio de Janeiro (RJ), Santos (SP), Itajaí (SC), São Francisco do Sul (SC), Sepetiba (RJ), Salvador (BA), Aratu (BA) e Itaqui (MA), que juntos respondem por 89% das exportações brasileiras. Os investimentos definidos pela Agenda Portos para este ano somam 57 milhões de reais, saídos do Orçamento da União. A medida reduz de 25% a 30% o custo das máquinas. Com isso, a expectativa é que, em 2005, até 3 bilhões de dólares sejam investidos na modernização do sistema portuário, melhorando a produtividade do sistema. O montante equivale a tudo o que se gastou no setor durante os últimos oito anos. Nos portos do Brasil, 40 contêineres são embarcados em uma hora. No porto de Cingapura, no sudeste da Ásia, muito mais moderno, são embarcados 100 contêineres por hora. A idéia do governo é debruçar -se sobre o funcionamento das Companhias Docas, dos Conselhos de Administração Portuária (CAP) - órgãos consultivos compostos por representantes do governo, setor privado e trabalhadores - e do Órgão Gestor de Mão-de-Obra (Ogmo), criado para cuidar da escalação de funcionários, substituindo o papel que antes era dos sindicatos. Uma terceira frente será a revisão da Lei dos Portos e dos contratos de arrendamento firmados entre o governo e os operadores portuários privados. Para atingir o nível de produtividade de portos como o de Roterdã ou o de Cingapura, será preciso investir pesadamente na modernização de equipamentos. Ariel Pares, secretário de Planejamento e Investimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento, lembra que o governo brasileiro passou os anos 90 construindo dois grandes portos, o de Suape, em Recife, e o de Pecém, no Ceará. Para ele, o sistema portuário requer apenas ajustes pontuais, principalmente em questões relacionadas ao acesso rodoviário e ferroviário e à produtividade. Acesso As Parcerias Público-Privadas (PPP) e concessões atraentes ao setor privado podem mudar esse quadro. "O porto de Itaqui, no Maranhão, por exemplo, tem grande profundidade de calado e condições de aumentar a exportação de soja, recebendo a produção do Centro-Oeste. Mas para isso depende da conclusão da ferrovia Norte-Sul", diz Pares. A dificuldade de acesso é também o principal problema do porto de Paranaguá, responsável pelo escoamento de boa parte da soja produzida no país. Segundo Pares, seria preciso aumentar a capacidade da ferrovia operada pela América Latina Logística (ALL) e expandir o porto. De acordo com ele, uma alternativa mais barata e rápida é a melhoria das condições de armazenagem no caminho até Paranaguá. "Uma solução seria ampliar um entreposto que já existe na cidade de Ponta Grossa, cerca de cem quilômetros distante do porto. Assim, o produto poderia ficar estocado e chegar ao navio num fluxo controlado. E os caminhões estariam liberados para novas viagens." Principal produto exportado por Paranaguá, a soja hoje já ocupa 73% da capacidade de granéis sólidos do porto paranaense, segundo dados da consultoria Trevisan. No porto de Santos, o percentual chega a 52%. Os dois complexos devem receber investimentos para aumentar a capacidade de receber o produto. No entanto, o estudo da Trevisan aponta que isso ainda não será suficiente para absorver toda a produção. Se confirmada a exportação de 22,5 milhões de toneladas de soja prevista pelo estado do Mato Grosso para 2010, faltará margem para 5,5 milhões de toneladas. A construção de um arco rodoviário contornando a cidade do Rio, prevista para ser iniciada em março deste ano, reduzirá o problema. Além disso, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estuda a possibilidade de financiar a construção de uma ligação rodoviária entre a via Dutra e Sepetiba, que ficaria a cargo da concessionária NovaDutra. "Mas para aumentar o fluxo de cargas para o porto e promover uma maior competição de Sepetiba com Santos, é necessário construir um ferroanel fora da cidade do Rio de Janeiro levando as cargas até Sepetiba", diz Pares. O problema é que a espécie de ostra exigida só existe em Santa Catarina e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) do estado não permitia a saída das ostras. Depois de muita negociação, elas chegaram a um consenso e, no final de fevereiro, começou a ser feita a retirada de cerca de 2,2 milhões de metros cúbicos de lama do porto. As principais ferrovias do país desembocam em Santos, mas apenas uma empresa, a MRS Logística, detém os 18 quilômetros finais da estrada de ferro que chega ao cais. Para completar o trecho final da viagem, vagões que andaram a uma velocidade média de 20 quilômetros por hora durante todo o percurso, diminuem o ritmo para cerca de dois quilômetros em média porque têm de trocar a locomotiva e apresentar uma série de documentos para ter sua passagem liberada. Isso resulta da demora na criação de uma regulação clara sobre o compartilhamento das malhas. "O modelo de privatização das ferrovias dividiu as malhas em lotes e não previu integração. O resultado foi a criação desse monstro que acaba gerando atrasos na entrega das cargas", afirma Fabrizio Pierdomenico, diretor comercial e de desenvolvimento da Docas do Estado de São Paulo, responsável pela administração do porto de Santos. Regulação Será preciso aprimorar o sistema de regulação também no que diz respeito aos portos. Em 1993, o setor passou por um grande marco: a Lei de Modernização dos Portos determinou que o poder público delegasse a operação portuária à iniciativa privada por meio de concessões. As Companhias Docas deixaram de cuidar do embarque e do desembarque dos navios e passaram a tratar de conceder áreas aos interessados em atuar no setor. Em alguns portos, já havia esse tipo de concessão. Onde não existia, foram firmados contratos de arrendamento válidos por 25 anos. Além disso, foram criados inúmeros terminais privados, para os quais também é preciso contrato com o Poder Público. A tarefa do governo, com a edição da lei, passou a ser a concessão, a fiscalização e a organização do sistema, incentivando a competição e o desenvolvimento dos portos. E, ainda, o investimento na manutenção da parte comum, como o acesso pelo mar - o que inclui as obras de dragagem - e por terra. A lei também possibilitou a descentralização do controle dos portos, permitindo à União delegar a administração portuária aos estados e municípios, o que foi feito nos portos de Paranaguá e Antonina ou no porto de São Francisco do Sul, em Santa Catarina, entre outros. Desde então, a movimentação nos portos brasileiros cresceu quase 65% e houve, de fato, uma grande melhoria no setor. Mas ainda faltaram regulamentações e o Poder Público deixou de cumprir boa parte de suas tarefas, como os investimentos em infra-estrutura e a reorganização das Companhias Docas. E não há regra clara para sua adequação à Lei nº 8.630. Agora é que estamos discutindo uma solução, em parceria com a Casa Civil. Um resultado deve ser anunciado em breve. A idéia é permitir a prorrogação de um prazo de transição, desde que sejam atendidos alguns quesitos, como a apresentação de projetos de investimento. Depois desse prazo, será feita licitação", diz Paulo de Tarso Carneiro, diretor do Departamento de Programas de Transportes Aquaviários do Ministério dos Transportes. Mas pode surgir um problema jurídico nessa prorrogação temporária, já que o artigo nº 175 da Constituição Federal exige a realização de licitação para qualquer tipo de concessão. É preciso, ainda, ter garantia da parte do governo de que o investimento na infra-estrutura será feito", diz Manteli. "A indefinição já está afastando investimentos. Sei que existem pelo menos sete empresas com intenção de investir mais de 300 milhões de reais nos portos, que aguardam uma posição mais clara do governo." Revisão Olivier Girard, diretor da Trevisan, considera que os contratos antigos precisam ganhar mais flexibilidade. "Os acertos eram muito rígidos e não permitiam, por exemplo, que um operador que trabalhava com um produto passasse a embarcar outro tipo de carga", diz. Mas, para o consultor, responsável pela elaboração de um documento que serviu de base à criação da Agenda Portos, mais importante ainda é dar maior profissionalismo às Companhias Docas brasileiras. As Docas passaram os últimos anos endividadas com elevados passivos trabalhistas e com o pagamento de equipamentos adquiridos pela estatal do setor, a Portobrás, extinta em 1990. No início do governo Lula, começou um processo de saneamento das empresas que, em 2002, acumulavam um prejuízo superior a dois bilhões de reais, mas assim diversas empresas ainda enfrentam dificuldades financeiras. A Docas do Rio tinha uma dívida de 800 milhões de reais, que incluía débitos trabalhistas e fiscais, principalmente com o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), e o pagamento de leasing contratados pela Portobrás para Paranaguá. Houve uma renegociação dos débitos e hoje a empresa está caminhando para ter superávit. Atualmente, segundo Carneiro, as Docas de Santos, da Bahia, do Pará e do Ceará já apresentam resultado positivo em seus balanços. "O governo anterior achou que bastava fazer a lei e esqueceu de modificar o modelo de gestão das companhias e das empresas estaduais, o que era essencial para o bom funcionamento do sistema", diz. Mas segundo Pierdomenico o modelo é novo e as companhias ainda estão em fase de transição, acomodando-se às novas funções. "Existe uma crise de identidade, até porque o quadro de funcionários era voltado para a operação na beira do cais, e não para funções de planejamento e gerenciamento." O ente federado deve sempre participar, mas pode ser com uma participação acionária menor, dependendo da situação". Há também quem tenha fortes argumentos contrários. "As Companhias Docas têm o papel de defender o interesse público diante da constelação de interesses privados que convivem no porto. Somos o único agente dentro do porto que tem condições de ter uma visão global do processo. Se deixássemos tudo para o setor privado, na hora de definir, por exemplo, onde seriam feitos os investimentos públicos dentro do porto, cada um iria querer puxar para o seu lado, para obras em frente ao seu cais", diz Pierdomenico. O papel da Antaq também foi questionado pelo estudo da Trevisan apresentado pela Agenda Portos. Pares, do Planejamento, considera que não faz sentido a existência de duas agências, Antaq e Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), para tratar de temas tão interligados como portos e ferrovias. Ele diz que o assunto está sendo estudado no governo. É provável a criação de uma agência de transporte intermodal, mas ainda não existe uma posição definitiva. A Antaq foi procurada, mas o diretor responsável não pôde atender à reportagem por problemas de saúde. O presidente da empresa Brasil Ferrovias, Guilherme Lacerda, critica a atuação das duas agências. "A Antaq e a ANTT deveriam ser fundidas. O fato de haver duas agências causa divergência de políticas e sobreposição de regulamentação. Além disso, como elas surgiram depois que os problemas de regulação já estavam dados, em 2001, teriam de ser proativas, propondo soluções, e não sendo um elemento de entrave ao desenvolvimento do setor, como acontece muitas vezes", diz. |