Saúde - O valor da vida |
2005. Ano 2 . Edição 9 - 1/4/2005 Estudo mostra qual é o investimento necessário para a redução da mortalidade infantil no país. Na última década, o Brasil conseguiu diminuir o indicador em 40%.
Fornecimento de água tratada tem impacto imediato na taxa de mortalidade infantil e na saúde das crianças Fernanda Matos Duarte estava no sétimo mês de gravidez quando soube que seu bebê tinha problemas de má-formação. Não havia tempo a perder. No mesmo dia percorreu os quase 200 quilômetros que separam sua cidade, Torre de Pedra, da capital paulista, onde poderia receber atendimento médico especializado. Na viagem, não conseguia ordenar os pensamentos, dividida entre as preocupações com o bebê que trazia no ventre e com a filhinha de 3 anos, que ficara aos cuidados do pai. "Estava morta de medo. Tudo o que pude fazer foi pedir a Deus que arrumasse o melhor lugar do mundo para o meu filho nascer", lembra. Encaminhada ao Hospital das Clínicas (HC), provavelmente a mais bem equipada instituição pública de saúde do país, foi submetida a uma cesariana. O bebê, chamado André Luiz, nasceu com um grave problema nos rins. Ficou na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatal, conectado aos aparelhos que permitiram seu desenvolvimento, até que estivesse apto a passar por uma cirurgia corretiva. A história de Fernanda teve um final feliz e André Luiz crescerá sem sequer saber que esteve muito próximo de engordar as estatísticas de mortalidade infantil no seu aspecto mais grave, isto é, a morte no primeiro dia de vida. No setor da saúde, a ação mais determinante foi a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), com atendimento gratuito e universal, aliado, mais recentemente ao Programa de Saúde da Família. E, no que diz respeito à educação, houve sucessivos projetos para a erradicação do analfabetismo. Mesmo assim o Brasil ainda está 20 anos atrasado em relação aos países desenvolvidos - e não se sai bem mesmo quando comparado a seus "pares", como a Argentina, cuja taxa de mortalidade infantil é 17, e o Chile, campeão do subcontinente, que registra índice 8. Educação A pesquisa mostra que a redução do analfabetismo das mulheres é a maneira mais barata de combater a mortalidade infantil, conseguindo salvar uma vida com o investimento de 63 mil reais. A segunda providência que traz mais retorno por real aplicado é o aumento de leitos hospitalares na rede pública. No caso, o custo é de 72 mil reais para cada vida poupada. Segue-se o fornecimento de água tratada, que evita uma morte com 168 mil reais. As estimativas consideram o custo da melhoria da situação nas diversas áreas em apenas 1% em relação ao quadro atual, ou seja, redução de 1% do analfabetismo de mulheres em idade fértil, crescimento de 1% no número de leitos hospitalares e aumento de 1% da população que recebe água tratada. Com dados objetivos, o estudo acabou chegando a conclusões que estão em perfeito acordo com o pensamento de estudiosos mais ligados aos aspectos humanos da questão. Mais urgente é a ampliação da oferta de leitos em UTI neonatal, bem mais caros, como o que recebeu o filho de Fernanda Matos Duarte, mencionado no início desta reportagem. "Esse atendimento é extremamente importante porque 64,7% dos óbitos que formam a alta taxa nacional de mortalidade infantil ocorrem na primeira semana de vida - e destes, quase 80% se dão no primeiro dia de vida", explica a professora Furquim. Os falecimentos até uma semana depois do nascimento são os que estão mais claramente vinculados às condições de saúde, enquanto os que ocorrem até 1 ano de idade englobam também a qualidade de saneamento e as condições de moradia, além de aspectos ambientais e urbanos. Começou a dar sinais de recuperação em 2000. A Bahia como um todo está em sétimo lugar entre os estados com as piores taxas de mortalidade infantil. Em situação mais grave estão Alagoas, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe. Mas a região que amarga os piores índices é o semi-árido brasileiro, que engloba partes de Piauí, Ceará, Minas Gerais e Espírito Santo. Lá, 95% dos municípios apresentam indicadores superiores à média nacional. O Unicef está desenvolvendo um trabalho específico para amenizar a situação, que envolve tanto problemas de saúde como de desnutrição e de falta de água. Água O abastecimento de água é a terceiro meio de combate à mortalidade infantil mais viável, economicamente falando, apontado na pesquisa do Ipea. Ela é apenas um dos cinco itens que formam o chamado saneamento básico, e é aquele em que o Brasil está mais avançado. O país tem 76,1% dos domicílios ligados à rede de distribuição de água. O problema é que a parcela faltante é justamente aquela que apresenta maiores dificuldades para ser atingida, seja pela distância, seja por questões fundiárias, seja pelo motivo mais óbvio, a falta de recursos para arcar com o custo dos serviços, tanto por parte do usuário quanto por parte do governo. Quem cuida da ampliação da rede de saneamento para pequenos municípios e comunidades é a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) - e ela precisa ter muita criatividade para superar os obstáculos. Uma das soluções encontradas para favorecer as populações carentes que habitam regiões ermas é um sistema que usa energia solar para o bombeamento da água. Ele vem sendo instalado sobretudo em comunidades indígenas. Em Goiás e Mato Grosso já existem cinco aldeias com sistema de saneamento movido a energia solar. Para solucionar esse problema foi criada a tarifa social, que estabelece uma taxa mínima a ser paga por aqueles que consomem pouco ou simplesmente não têm recursos para bancar a conta de água. Essa iniciativa recebeu elogios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), pois a maior parte dos países subsidia a construção da infra-estrutura, mas não ajuda a população a usufruir do serviço. "Chegou-se a testar o fornecimento gratuito de água, mas os resultados não foram bons porque os níveis de desperdício eram muito altos", lembra Wanda Russi, professora do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP. Os pais não deixavam as crianças entrarem para não estragar as instalações e ninguém usava o banheiro para não sujá-lo. Mas Machado Filho afirma que o que mais o incomoda não são essas questões envolvendo gente simples: são as complicações geradas pela confusão administrativa do setor de saneamento. "O governo federal reservou a verba de um bilhão de reais para ser aplicada em saneamento em 2005, mas não sei se vamos conseguir usá-la porque os entraves burocráticos gerados pelos conflitos entre os governos estaduais e municipais complicam e retardam as definições." Ele conhece de perto o problema. Cabe ao Ministério das Cidades cuidar da melhora da infra-estrutura de saneamento nas grandes cidades e freqüentemente os projetos não saem do papel por falta de entendimento entre os gestores. Numa ocasião foi autorizado um financiamento para a prefeitura de João Pessoa, capital da Paraíba, para a construção de uma estação de tratamento de águas, mas a companhia estadual de saneamento se recusou a levar a obra adiante porque o projeto estava fora dos seus padrões. "Não estou tirando a razão de nenhuma das partes, mas esse é um exemplo de como a falta de articulação entre diferentes áreas de governo pode trazer prejuízos à população." Urbanização Outra dificuldade para a expansão da rede de abastecimento de água nas grandes cidades é a falta de regularização dos imóveis. Normalmente as áreas mais carentes são justamente as periferias, onde os imóveis raramente estão devidamente registrados. Pelo contrário, em sua maioria são terrenos particulares ocupados sem autorização do proprietário ou, pior ainda, áreas de reserva ou de mananciais. A lei impede que o governo faça benfeitorias em terrenos particulares e especialmente em reservas ecológicas. Cria-se então um caso complicado, pois é sabido que sem condições mínimas de saneamento é inevitável que surjam focos de doenças. Para escapar do impasse, mais uma vez é preciso apelar para a criatividade. O governo municipal de Suzano, cidade da região metropolitana de São Paulo, se encontrava exatamente nessa situação em relação a uma ocupação chamada Nova Ipelândia, estabelecida numa área de manancial. "A prefeitura tentou retirar os moradores, mas um vereador conseguiu impedir o despejo. Então a comunidade continuou vivendo lá, sem nenhuma infra-estrutura", lembra a professora Russi. A solução foi colocar reservatórios plásticos de água potável na rua mais próxima, fora da área de manancial. Eles são abastecidos diariamente por caminhões-pipa enviados pela prefeitura. O drama é que a velocidade de crescimento das cidades é muito maior do que a capacidade dos administradores de encontrar saídas oficiais ou alternativas. Mesmo assim o governo federal estabeleceu para 2020 a meta de universalizar o abastecimento de água urbano e estender o serviço à metade da população rural, onde atualmente só 18,7% dos domicílios têm fornecimento adequado. |