Medicina - Cura à distância |
2005. Ano 2 . Edição 14 - 1/9/2005 Avança no Brasil a telessaúde, que busca garantir atendimento médico e treinamento em comunidades distantes, especialmente na região Amazônica.
A tecnologia e o uso da internet podem permitir o atendimento médico em comunidades distantes, por exemplo, na Amazônia, onde o deslocamento de pessoas para tratamentos de saúde de uma cidade para outra não é tarefa trivial. Da comunidade de Boca do Acre, no Amazonas, até Manaus, no mesmo estado, são exatos 1.038 quilômetros, o que significa uma viagem de, no mínimo, 12 dias de barco se o tempo ajudar e não houver imprevistos. A distância é agravada pela concentração desigual de médicos no território brasileiro. Dos 300 mil profissionais em atividade registrados no Conselho Federal de Medicina (CFM), estima-se que 75% atuem nas regiões Sul e Sudeste - 49% somente nas cidades de Rio de Janeiro e São Paulo. As comunidades isoladas seriam as beneficiárias mais imediatas e diretas, porém a ampla oferta de serviços em saúde usando tecnologias de telecomunicação e informação também seria muito bem-vinda para quem mora nas grandes cidades, mas está impossibilitado de locomover-se. Seria a concretização do almejado homecare, expressão em inglês que designa o tratamento feito em casa. "A proximidade com os familiares comprovadamente favorece a recuperação dos pacientes", afirma Sandra Oyafuso Kina, coordenadora do Centro de Informação e Comunicação do Hospital Albert Einstein. Origem De maneira geral, a telemedicina teve início durante a corrida espacial na década de 60, quando as funções vitais dos astronautas eram monitoradas na Terra. Hoje, ela é praticada em hospitais e instituições de saúde com diversos objetivos: obter diferentes referências, trocar informações, conseguir uma segunda opinião médica, e na assistência a pacientes crônicos, idosos e gestantes, além da telecirurgia. Outra possibilidade é a educação a distância, para atualizar profissionais que atuam em regiões afastadas. Ela também pode ajudar a reduzir a sobrecarga nos hospitais. "Temos um problema de fluxo de pacientes que muitas vezes vão para hospitais de alta complexidade sem necessidade. A telemedicina pode atenuar esse problema auxiliando os médicos de saúde da família no diagnóstico. Assim, as filas nos hospitais podem diminuir porque o médico saberá encaminhar melhor seu paciente", acredita Magdala de Araújo Novaes, coordenadora do Núcleo de Telessaúde (Nutes) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Para utilizar os sistemas são necessários equipamentos e programas específicos. A infra-estrutura tecnológica varia de acordo com a complexidade do procedimento que se deseja realizar. É possível utilizar desde sistemas de telefonia convencional até redes digitais de alta velocidade para transmissão de imagens e videoconferências. Quando digitalizadas, as informações médicas podem ser processadas de várias maneiras. Os dados quantitativos, por exemplo, podem transformar-se em bancos de dados. Para as imagens, o uso de filtros digitais realça detalhes que normalmente passariam despercebidos e também permite manipular a imagem com rotação e aproximação. Além disso, pode-se acrescentar texto ou indicar uma região de interesse com setas. Multidisciplinar Apesar de mais conhecido, o termo telemedicina está gradativamente sendo substituído pelo conceito mais abrangente de telessaúde, que prevê grupos multidisciplinares atuando em conjunto. É essa a idéia por trás do projeto encampado pelo CFM, pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), pela Universidade do Estado do Amazonas, pela Universidade Federal do Amazonas e pelo Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), que congrega informações geográficas e climáticas sobre a floresta Amazônica. Localizados em comunidades, fronteiras e bases do Exército, da Aeronáutica, do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Fundação Nacional do Índio (Funai), os 650 pontos de presença do Sipam estão equipados com telefone, fax e computadores com acesso à internet. Aproximadamente 100 deles já possuem conexão de alta velocidade, o que permite o envio e o recebimento de vídeos e imagens. Toda tecnologia funciona via satélite. A meta é usar a infra-estrutura existente para evitar viagens longas de pacientes e melhorar as condições dos profissionais que trabalham nesses locais.
Até agora, 22 unidades já receberam os equipamentos necessários para trabalhar com emergências médicas. Com eles, os médicos poderão obter material didático para apoiar seus diagnósticos e consultar especialistas em Manaus. "Já gravei três horas de aula sobre ética médica para contribuir com o projeto", conta Roberto d'Ávila, coordenador da Câmara Técnica de Informática em Saúde e Telemedicina do CFM. "As instituições devem colaborar, usar as redes e a infra-estrutura que já existem em vez de criar novas", alerta Chao Lung Weng, coordenador da disciplina de Telemedicina da USP. O projeto, de acordo com Edgar Fagundes Filho, diretor técnico e operacional do Sipam, ainda está no início, mas já mostra grande potencial. "Uma aula de Anatomia dada na USP foi transmitida e assistida simultaneamente em São Paulo, Manaus e Parintins e funcionou muito bem. Estamos em fase de experimentação e treinamento dos paramédicos, em sua maioria sargentos do Exército. Dentro de 30 dias, os 22 pontos equipados devem funcionar plenamente", diz. Internato A expectativa é que o projeto atenda, em sua primeira fase, cerca de 200 médicos e depois seja expandido para os estados do Acre, Amapá, Rondônia e Roraima. Também faz parte da iniciativa o internato rural, que obriga todos os alunos de Medicina das três universidades envolvidas a passar dois ou três meses prestando assistência às comunidades amazônicas. A aposta é que, com os pontos do Sipam devidamente equipados, os estudantes possam trabalhar de forma mais eficiente. O programa deve ser usado em larga escala para disseminar o aprendizado das formas de transmissão da doença e a identificação de manchas suspeitas. Por meio da telemedicina, é possível interligar centros de referência na pesquisa e no tratamento da hanseníase, hospitais, postos de saúde, universidades, escolas, governos e órgãos de apoio. A estratégia prevê até a participação de profissionais da área de beleza, como esteticistas, manicures, massagistas e cabeleireiros. Com treinamento adequado, Wen acredita que eles poderão detectar manchas suspeitas em seus clientes e encaminhá-los aos serviços de saúde credenciados. A tecnologia também é peça fundamental em um projeto de oncologia pediátrica que começou a sair do papel em 2002 com o apoio financeiro da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e funciona numa parceria da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com o Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da Escola Politécnica da USP. Todos os médicos, de qualquer parte do país, podem acessar o portal da oncopediatria gratuitamente, que já congrega 4 mil pacientes, 200 médicos e 38 hospitais espalhados por 12 estados brasileiros. "A idéia é descentralizar o hospital como única fonte de informação. E numa segunda fase, pretendemos incluir os casos de oncologia adulta", afirma Marcelo Zuffo, coordenador dos meios interativos do LSI. Hoje, além de oferecer educação a distância, os exames e os sintomas de todos pacientes cadastrados no portal são registrados e o programa desenvolvido especialmente para o projeto é capaz de fornecer um diagnóstico e os detalhes do tratamento. O sistema também gera uma agenda que informa ao médico quais acompanhamentos e avaliações devem ser feitos. A idéia é proporcionar atendimento homogeneizado às crianças portadoras de câncer, segundo protocolos avançados com os melhores índices de cura. Recursos A meta é que, dentro de algum tempo, todos os casos de câncer infantil estejam na base de dados. Assim, será possível elaborar indicadores nacionais confiáveis da doença. "A má distribuição de serviços médicos de qualidade somada à heterogeneidade dos protocolos dos procedimentos médicos, leva à utilização de condutas que nem sempre são as mais eficazes. A telessaúde é uma opção para melhorar o acesso aos serviços médicos e a disseminação do conhecimento dos centros de referência", aposta Zuffo. "O próximo desafio é colocar a telessaúde nas residências. O ideal é que as pessoas, da mesma forma que acessam seu banco sem sair de casa, também possam receber à assistência médica sem precisar deslocar-se", afirma Zuffo. Entretanto, para que os resultados de fato apareçam, a telessaúde tem de deixar de ser um experimento laboratorial de simples aplicação da tecnologia para transformar-se numa ferramenta incorporada ao processo de saúde. Portanto, é fundamental um modelo que seja prático, auto-sustentado e disponível para o maior número de pessoas possível. Por ter uma extensa rede de telecomunicações, o Brasil pode beneficiar-se muito com a telessaúde. A distância entre o tempo de diagnóstico e o tratamento diminui, o que aumenta a eficiência dos serviços médicos, justificando o investimento em equipamentos. Afinal, o objetivo é que a universalização dos recursos tecnológicos melhore a coleta de informações referentes à saúde de um paciente, seu processamento, sua análise e distribuição. É importante, porém, propor soluções reais para que falsas expectativas não sejam geradas, pois se trata de uma mudança a ser realizada no longo prazo e deve contar com o apoio maciço dos atores envolvidos no processo. |