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2005. Ano 2 . Edição 15 - 1/10/2005 Está longe de ser alcançado o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio que prevê a contribuição dos países mais ricos Maysa Provedello Não é de hoje que o mundo é desigual, com nações muito abastadas e outras que vivem no umbral da miséria. Mas foi na década de 90 que o tema entrou para a agenda global e motivou a Organização das Nações Unidas a incluir o combate a essa praga entre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) - um conjunto de oito compromissos dos países-membros, firmado em 2000 - para reduzir, pela metade, a pobreza absoluta existente no planeta até 2015. Sete dos oito ODM são voltados diretamente para os países em desenvolvimento e ligados à melhoria das condições básicas de vida, como redução dos níveis de miséria e de fome, acesso à educação e à saúde e garantia de sustentabilidade ambiental. E o último dos objetivos, que trata do "estabelecimento de uma parceria global para o desenvolvimento", é o único dirigido especialmente aos países desenvolvidos. A idéia é que, por meio de ajudas oficiais, reestruturação de dívidas, ações conjuntas com o setor privado e, sobretudo, com ampla negociação comercial que possibilite um ambiente mais justo de comércio, os países mais ricos auxiliem aqueles em desenvolvimento a conseguir superar os obstáculos da miséria. "De todos os objetivos propostos, já podemos observar que este, em todo o mundo, é o que está sendo menos cumprido", avalia Marielza de Oliveira, coordenadora da unidade de parcerias estratégicas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) no Brasil. "De uma forma ou de outra, os países em desenvolvimento, na maior parte dos casos e em meio às suas dificuldades, buscam aqui e ali maneiras de incluir na agenda os caminhos do crescimento", afirma Oliveira. Segundo ela, a pressão mundial tem sido responsável pelo pouco que já foi feito em termos práticos para cumprir o oitavo objetivo. Um exemplo disso é o perdão da dívida de 18 nações africanas com organismos multilaterais de crédito, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o Fundo de Desenvolvimento Africano, decidido no mês de junho, durante a última reunião do G-8, grupo das sete nações mais ricas do mundo mais a Rússia. "É uma resposta à mobilização mundial que vem sendo feita e isso é fundamental, mas ainda é muito pouco, é preciso muito mais", afirma Oliveira. O perdão poderá beneficiar até 37 países pobres, com a anulação de uma dívida de 55 bilhões de dólares com FMI, Banco Mundial e Agência Internacional do Desenvolvimento, mas ainda depende da aprovação do conselho dessas instituições e do legislativo dos países doadores. Retórica Roberto Guimarães, chefe de análise social e política do departamento de assuntos econômicos e sociais das Nações Unidas, chama de "gap de implementação" a dificuldade de colocar em prática as grandes decisões globais pró-desenvolvimento elaboradas dos anos 90 para cá. Um exemplo? "A Rio 92, que foi um dos mais emblemáticos casos de cúpulas mundiais, aprovou medidas relativas à sustentabilidade ambiental que, se executadas, trariam inúmeros benefícios ao mundo todo. Já nos encontros seguintes de revisão dos trabalhos, a Rio +5 e a Rio +10, estava evidente que havia um problema sério, pouco havia sido feito e que o mundo não achou ainda um caminho para sair da retórica e partir para a prática, para trabalhar em bloco e tirar as idéias positivas do papel e transformá-las em ações", diz. Para Guimarães, a parceria global proposta no Oitavo Objetivo do Milênio sofre desse "mal da implementação", ou seja, a intenção é boa, possível de ser cumprida, mas, na prática, os países ricos não estão dispostos a abrir mão de suas condições econômicas e políticas atuais para realmente mudar a geografia social do planeta. "Mas é bom que mudem de idéia rápido, porque, além da pobreza, temos aí na nossa porta um problema ainda mais grave, que é a desigualdade social, que não é mais característica de país pobre, mas está presente em todos os lugares e só com mudanças efetivas é que se mudam esses dois problemas", opina. "Mas a ODA é apenas uma parte do que é necessário na parceria pela redução da pobreza. É preciso pensar em como propiciar meios para que os países saiam definitivamente dessa condição e essa resposta passa, invariavelmente, por mudanças profundas e também polêmicas no campo do comércio", lembra Carlos Mussi, economista da Cepal. A proposta significa mexer num vespeiro global, porque as mudanças implicam que alguns percam para que outros possam participar. A Organização Mundial do Comércio (OMC), instância máxima para as negociações comerciais globais, é um exemplo claro de que a retórica da mudança é mais forte que a prática. "A situação da entidade é preocupante, pois ela vem perdendo muita força, uma vez que os Estados Unidos e a Europa preferem fechar acordos bilaterais ou multilaterais diretamente com os países, em vez de ir à OMC. E nesse tipo de negociação o tamanho, o poder, conta muito. Os mais poderosos saem com mais vantagens", acredita Baumman. Além disso, destaca, essas negociações criam instâncias paralelas de soluções de conflitos que não a própria OMC e, de quebra, cada acordo fechado vira uma espécie de modelo para propostas a outros países. "Fica mais fácil chegar a um país vizinho e dizer que já tem um tipo de negócio com bases mínimas. É a partir dessas bases que eles vão fechar um novo trato comercial", alerta. "Esse é o jogo do comércio. Os países se defendem porque as negociações são entre governos, mas são os setores privados que pressionam pelas condições, é normal que seja assim", destaca a professora Lia Valls, da Fundação Getulio Vargas. Ter acesso aos mercados do mundo desenvolvido é uma forma de os países em desenvolvimento saírem da pobreza. No entanto, esse acesso mais amplo não é suficiente para garantir a superação da pobreza, pois depende da "decisão política local de dar prioridade ao investimento em capital humano, em infra-estrutura e em progresso tecnológico. Sem isso, a ajuda externa e a abertura de novos mercados não adiantará", resume Valls. Saídas Opções como as cooperações entre países do eixo Sul-Sul são vistas pelas Nações Unidas como possibilidades de aumentar a participação no mercado internacional por meio de negociações mais igualitárias e parcerias. Mas não vai resolver o problema. "Esses países, sobretudo os africanos, não saem do atoleiro sem a ajuda externa do mundo desenvolvido", sintetiza Baumman. O desafio, tanto para os países desenvolvidos quanto para os em desenvolvimento, é como adequar recursos e implementar políticas para alcançar os Objetivos do Milênio. Em termos de recursos, o Projeto do Milênio, elaborado por Jeffrey Sachs para determinar medidas pragmáticas para auxiliar no alcance dos objetivos, estimou que a ajuda externa deveria aumentar em cerca de 50 bilhões de dólares anuais até 2015 - além dos 140 bilhões destinados atualmente - para que todas as metas fossem atingidas. Não é um volume impensável, representa cerca de 0,54% do PIB dos países mais ricos e é bem menos do que o orçamento anual destinado a investimentos militares no mundo, na casa dos 900 bilhões de dólares. Mas, para que essa ajuda seja eficaz, será preciso que os países beneficiados a utilizem de maneira eficiente, sem desperdício nem corrupção. |