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2006. Ano 3 . Edição 19 - 7/2/2006 Os fundos setoriais, criados a partir de 1999 para incrementar as aplicações em pesquisa e tecnologia, conseguiram arrecadar valores signif icativos, mas o contingenciamento das receitas acabou barrando o aumento do investimento Por Lia Vasconcelos, de Brasília
Fundada em 1991,na cidade mineira de Lagoa Santa, a Clamper, empresa que atua na área de acessórios elétricos, enfrentou um sério problema quando decidiu aumentar as exportações. Para vender no exterior o VCL Slim, um dispositivo de proteção contra surtos elétricos, seria necessário conseguir uma certificação norte-americana que garantisse a qualidade do produto e sua adequação às normas internacionais. Mas os custos desse processo são altos e a pequena empresa não tinha como arcar sozinha com os gastos.A solução encontrada foi recorrer ao Programa de Apoio Tecnológico à Exportação (Progex), que conta com o apoio financeiro do fundo setorial Verde-Amarelo um dos 14 fundos criados a partir de 1999 com o objetivo de financiar projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação no país.Os fundos constituem hoje mecanismos fundamentais de fomento e respondem, anualmente,por cerca de 30% das receitas destinadas ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Os primeiros fundos setoriais implantados foram o de petróleo e gás natural (1999),o de informática (2001),o de recursos minerais (2001), o de energia elétrica (2001), o de recursos hídricos (2001) e o espacial (2001).Eles foram concebidos com um recorte setorial. São alimentados com recursos que tiveram origem no próprio setor em que deveriam ser aplicados, por isso são considerados fundos verticais. Paralelamente, foram implantados o fundo de infra-estrutura (CT Infra, 2001) e o Verde-Amarelo (FVA, 2002),mas sem compromisso com o apoio ao desenvolvimento de setores específicos. São horizontais e sua fonte de receita é desvinculada do setor de aplicação. O CT Infra tem como missão modernizar e ampliar a infra-estrutura e os serviços de apoio à pesquisa desenvolvida em instituições públicas de ensino superior. Já o Verde-Amarelo deve incentivar a implementação de projetos de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo, estimular a ampliação dos gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) realizados por empresas e apoiar ações que reforcem e consolidem uma cultura empreendedora e de investimento de risco no país.
ExpectativasA implementação dos fundos foi cercada de expectativa por causa do montante de recursos que seria adicionado ao investimento normalmente feito pelo governo em ciência e tecnologia. Em 2000, a estimativa era que a arrecadação representaria recursos extras anuais da ordem de 1,1 bilhão de reais entre 2001 e 2005.Historicamente, a capacidade de investimento em ciência, tecnologia e inovação por parte do MCT vinha apresentando tendência de queda desde 1996, quando foram investidos no setor 1,9 bilhão de reais.Os fundos representariam,assim,não só a retomada desse investimento,mas uma esperança de que o patamar histórico fosse superado. O que se viu,no entanto,foi que os investimentos feitos pelos fundos setoriais ficaram bem abaixo das expectativas anunciadas,já que alcançaram em 2005 o valor máximo de 864 milhões de reais, sendo o FVA e o CT Infra responsáveis por 41% dos desembolsos totais dos fundos. Tudo o que se conseguiu foi que os fundos recolocassem os investimentos em seus patamares históricos, sem aumentar os investimentos. Essa é a constatação feita por Newton Müller Pereira, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (DPCT/Unicamp) e autor do estudo "Fundos setoriais: avaliação das estratégias de implementação e gestão", publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Além disso, ele detectou outros problemas.Um deles é a baixa participação da iniciativa privada, principalmente das pequenas e médias empresas.O outro é a reestruturação do modelo de gestão a partir de 2003,quando as tomadas de decisão foram concentradas na recém-criada Comissão de Coordenação dos Fundos Setoriais (CCFS), cuja estratégia é apoiar projetos de natureza transversal,abrangendo diversas áreas, o que enfraquece a demarcação setorial dos fundos. A diferença entre os valores esperados e os efetivamente investidos pode ser explicada pela restrição fiscal imposta pelo governo federal a partir de 2000, que se traduziu no contingenciamento de cerca de 3,1 bilhões de reais até 2005. Esse é, aliás, um dos alvos preferidos dos críticos.Apesar de os especialistas,de modo geral,reconhecerem a importância dos fundos setoriais como um mecanismo fundamental de financiamento à ciência,tecnologia e inovação no país por parte do governo, eles são os primeiros a apontar a reserva de contingência como uma anomalia que deve ser rapidamente corrigida.De acordo com o estudo de Pereira, se nenhum contingenciamento de recursos tivesse sido praticado ao longo desses anos, a capacidade de investimento do MCT teria aumentado 31% em relação aos níveis de 1996. "A reserva de contingência não poderia acontecer.Existem até alguns pareceres jurídicos que indicam sua inconstitucionalidade, já que os recursos não estão indo para onde originalmente teriam de ser direcionados. Ela inviabiliza justamente a questão principal de manter iniciativas de P&D sustentadas: como não é possível estimar o orçamento dos próximos anos, as iniciativas acabam tendo caráter de curto prazo",avalia Hugo Borelli Resende, vice-presidente da Associação Nacional de Pesquisa,Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei). Entretanto, o contigenciamento em si não condena o modelo dos fundos setoriais."A credibilidade dos fundos não é abalada por causa do contingenciamento. A reserva, na verdade, levanta dúvidas em relação à prioridade da política científica frente à política macroeconômica", avalia Luís Fernando Tironi, pesquisador da diretoria de estudos regionais e urbanos do Ipea. Fonte: elaboração de Newton Müller Pereira, com base em dados do MCT
Resgate Porém, o problema pode estar em vias de ser solucionado ou, pelo menos, amenizado.Luis Fernandes, secretário executivo do MCT, esclarece que a regulamentação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), em tramitação no Congresso, prevê um teto de reserva de 40% do total dos recursos dos fundos para o contingenciamento. A idéia é que essa porcentagem diminua gradativamente até 2008,quando a totalidade dos recursos arrecadados pelos fundos seria liberada para seu propósito original."É bom lembrar que esse dinheiro que foi para a reserva de contingência poderá e deverá ser resgatado, então podemos começar a pensar em como utilizar esses recursos,uma vez que um dia serão devolvidos ao sistema de ciência e tecnologia", diz Ennio Candotti,presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).Algumas vezes, entretanto, imprevistos obrigam o governo a mudar o calendário e a antecipar a abertura dos cofres."Em 2005,tivemos uma grande vitória, que criou um precedente importante. Foram liberados cerca de 34 milhões de reais da reserva de contingência quando eclodiu a crise da febre aftosa.Os recursos foram direcionados para projetos de melhoria dos testes para a doença",afirma Fernandes,do MCT. Se os fundos sofrem com o contingenciamento, pelo menos os recursos autorizados estão sendo aplicados."Nos últimos anos, a execução orçamentária dos fundos setoriais tem aumentado muito", lembra Mário Salerno, diretor da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). Segundo o diagnóstico feito por Pereira, autor do estudo sobre os fundos, em 1999 os fundos conseguiram executar apenas 34% de seu orçamento, mas em 2003 esse número já havia subido para 97% e, em 2005, a execução foi de 99,9%.No ano passado, foram avaliadas pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) 3,7 mil propostas de financiamento por meio de 26 editais.No total, 2,1 mil projetos foram aprovados.
Diferença Mesmo assim, o dinheiro que chega às empresas por meio dos fundos setoriais ainda deixa a desejar."Os fundos, como instrumento de financiamento, são importantes, mas é preciso calibrar seu funcionamento para que, de fato, seus recursos façam diferença para o setor produtivo", avalia Maurício Mendonça, coordenador de competitividade industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O impacto dos fundos no setor empresarial é, aliás, um dos temas abordados por Pereira.Após sua instituição, as empresas e os arranjos cooperativos foram eleitos como foco da atividade de inovação. Foi uma clara tentativa de mudar o cenário do desenvolvimento científico e tecnológico nacional que priorizava a pesquisa acadêmica em detrimento da participação do setor produtivo. O resultado é que entre 2001 e 2003 o Fundo Verde- Amarelo, o fundo setorial de energia (CT Energ) e o de petróleo (CT Petro) mobilizaram,em média, 210 empresas por ano. Entre 1999 e 2003, 45,8% dos recursos desses três fundos se destinaram a projetos envolvendo empresas. Se olharmos para os fundos como um todo, essa proporção cai. Do 1,53 bilhão de reais aplicados por todos os fundos até 2003, as empresas se envolveram,no máximo,com 573 milhões de reais.Apesar desses números, Pereira acredita que ainda exista a necessidade de reforçar o foco no setor produtivo." Nesses seis anos de funcionamento dos fundos,o objetivo de fazer com que a iniciativa privada investisse em pesquisa, desenvolvimento e inovação não foi alcançado por completo", acredita o pesquisador. Uma das causas pode ser a baixa presença de empresários nos órgãos decisórios. Na média,os representantes empresariais ocupam 20% das cadeiras dos comitês gestores, o que é considerado pouco na opinião de Resende, da Anpei. "A capacidade de influência do setor produtivo nos comitês é bastante reduzida e insuficiente", acredita ele. Outro aspecto abordado pelo estudo foi a própria gestão dos fundos setoriais. O modelo original se apóia na existência dos comitês gestores e pressupõe a articulação de importantes atores, entre eles o MCT e suas agências de financiamento de ciência, tecnologia e inovação; o setor produtivo; as associações de classe; as agências e as secretarias de Ciência e Tecnologia estaduais; as instituições de ensino e as que atuam na promoção de pequenas e médias empresas. Os comitês gestores tinham a prerrogativa legal de estabelecer as diretrizes, ações e planos de investimento dos fundos.
Estratégia Nesse cenário, também tinha função importante o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), uma organização social criada em 2001, para, entre outras missões, desempenhar o papel de estrategista e articulador dos fundos setoriais. Cabia à instituição abrigar a inteligência e as articulações supra-setoriais, fazer estudos prospectivos e pensar nas diretrizes e estratégias que deveriam ser seguidas pelos fundos.Em 2003,no entanto, houve um esvaziamento do CGEE."O novo governo não entendeu a importância de uma instituição que subsidiasse as ações dos fundos. A decisão começou a ficar muito centralizada,o que é um retrocesso em termos de gestão", afirma Carlos Américo Pacheco, professor do Instituto de Economia da Unicamp e um dos idealizadores dos fundos setoriais na época em que era secretário executivo do MCT.A partir de 2004, a gestão dos fundos entrou no que poderia ser entendido como uma segunda fase.Naquele ano foi instituído o Comitê de Coordenação dos Fundos Setoriais (CCFS), formado pelos presidentes dos comitês gestores de todos os fundos, por representantes da Finep e do ConselhoNacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), sob a presidência do secretário executivo do MCT.
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