Tecnologia - Diversão e arte |
2006. Ano 3 . Edição 21 - 4/4/2006 Por Eliana Simonetti, de São Paulo
Na Copa do Mundo de Futebol, nos Jogos Pan-Americanos, nas academias, ruas, praias, clubes, a tecnologia dá contornos futurísticos à prática esportiva. Ela se torna mais bonita, fácil e eficiente Os que acompanham as novidades sobre o Campeonato Mundial de Futebol, a Copa do Mundo, que ocorre neste ano na Alemanha - e não tem sido fácil ficar longe dessas notícias -, já sabem:o evento tem a marca da tecnologia. Começa no dia 9 de junho, envolve times de 32 países que disputarão 63 partidas em 12 cidades e deverá atrair 3 milhões de estrangeiros ao país europeu. Nos campos, ruas e parques alemães estarão presentes os conhecimentos desenvolvidos por cientistas de todo o planeta, que farão a competição mais justa para os participantes, mais confortável e divertida para os espectadores e mais informativa para quem acompanha de longe - 350 milhões de pessoas, segundo estimativa da Federação Internacional de Futebol (Fifa). Em um mês, o Campeonato da Fifa ocupará 12 estádios com arquitetura primorosa, novos materiais e muita eletrônica embarcada. Os ingressos serão reconhecidos por radiofreqüência Os avanços tecnológicos na área esportiva não se restringem ao futebol nem à Alemanha, eles ocorrem em diversas modalidades e locais, mas vamos começar fazendo um passeio pela sede da Copa do Mundo, alvo de todas as atenções. O país está se apresentando como aberto, receptivo e inovador, com o slogan "País das Idéias". Um grande esforço foi feito para tornar a Alemanha uma Meca do futurismo. Para facilitar o transporte dos turistas, foram construídas novas linhas de trens e metrôs e as antigas foram modernizadas. São velozes, têm cabines limpas e confortáveis, e as passagens têm descontos automáticos quanto mais são usadas - o que, espera-se, reduza o volume de automóveis nas ruas e, por conseqüência, a poluição e os congestionamentos. Os ingressos para os jogos funcionarão como passagens em trens e metrôs. As rodovias também foram reformadas. Uma viagem entre Berlim e Hamburgo, que levava duas horas, agora toma 90 minutos. Pedágios, ingressos para os jogos e passagens de trens e metrô utilizam um sistema de identificação por radiofreqüência (na sigla em inglês, RFID). Trata-se de uma etiqueta eletrônica com um chip minúsculo dotado de memória e capaz de efetuar transmissões de rádio dispensando o contato e permitindo a identificação imediata do portador sem perda de tempo. Um parêntese: no Brasil, mais de 20 empresas produzem etiquetas com tecnologia RFID. Elas serão usadas na organização, na logística e na segurança dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, no ano que vem. Engenharia Estádios alemães estão em fase final de reforma, construção e equipagem para cumprir os requisitos de comodidade, segurança e tecnologia dos meios de comunicação. São espetaculares. Pela primeira vez numa Copa do Mundo, todos os assentos serão cobertos e parte da demanda por energia será suprida por fontes alternativas, como placas solares. O Estádio de Munique é translúcido e tem a peculiaridade de mudar de cor conforme os times que estão jogando. Programas de computador cuidam dos estacionamentos e dos ingressos, de imagens de controle e gerenciamento de segurança, de comunicação por voz e dados, da iluminação e da distribuição de força. Uma rede de sensores monitora alarmes contra incêndio e até a temperatura das raízes do gramado. A pressão, a umidade do ar e a temperatura são adaptadas conforme as condições do tempo. Ali acontecerá a partida inaugural da Copa. Outros estádios também trazem novidades de ponta. Em Hannover, o teto é feito de uma folha transparente. No de Gelsenkirchen, o gramado desliza sobre trilhos e o teto e a arquibancada são móveis. O estádio de Frankfurt foi apelidado de "maior conversível do mundo", por seu teto em forma de tenda. O de Berlim, construído para os Jogos Olímpicos de 1936, foi inteiramente remodelado. Bem, vamos ficar por aqui. Ao todo são 12 estádios com arquitetura primorosa, novos materiais e muita eletrônica embarcada. Só em Dortmund, onde o Brasil jogará as primeiras partidas, funcionam 25 institutos de pesquisa de tecnologia da informação. A contenda terá outras novidades. Desde 2003 passeia pela Alemanha uma escultura produzida pelo artista vienense André Heller. O "Globus", como é chamado, é uma estrutura aberta de metal e matéria plástica com 20 metros de altura e 60 toneladas. Durante o dia parece uma bola de futebol, com pentágonos claros e escuros. À noite se transforma num objeto de luz que deixa transparecer os contornos dos continentes. A metamorfose ocorre também no interior: de dia, o globo é um espaço multimídia com exposição de filmes e objetos relacionados ao futebol e à noite é um misto de ateliê com salão de eventos. Estudiosos e escritores discutem o significado político-social do futebol, acontecem saraus de poesia e arquitetos apresentam projetos para novos estádios. Catorze artistas internacionais criaram obras para a Copa, que foram replicadas em pôsteres. Entre eles está a brasileira Beatriz Milhazes. No alto, o "Globus", misto de escultura com salão de eventos que reflete o slogan da Alemanha na Copa: "País das Idéias". Acima, a bola que rolará nos campos, feita e testada com tecnologia de ponta. Brasil Existe ainda a possibilidade de utilização de um sistema de comunicação entre o árbitro e seus auxiliares por um microfone e um ponto eletrônico. Outro parêntese. Na edição 2006 da CeBit, maior feira de tecnologia da informação e comunicação da Europa, realizada em Hannover, na Alemanha, a Confederação Brasileira de Vôlei demonstrou o resultado de seus testes com uma bola desenvolvida pela empresa brasileira de material esportivo Penalty, que utiliza um chip RFID. Ela emite um sinal eletrônico para um conjunto de pequenas antenas instaladas na quadra. Um software disponibiliza aos juízes informações sobre a partida, evitando erros de arbitragem. A tecnologia nacional mostrou ser funcional e eficiente Mais. Enquanto os dirigentes do futebol internacional debatem vantagens e desvantagens da adoção de novas tecnologias em jogos e campeonatos, o Brasil se adianta. Usa sistema de comunicação avançado entre técnicos e jogadores durante os treinos, bolas inteligentes, e criou uma escola de futebol, na Granja Comary, no Rio de Janeiro, para formar novos talentos com o que há de mais moderno. Em associação com a Universidade do Norte do Paraná, montou um sistema de ensino personalizado on-line. Os cursos, seminários e conferências atingem 27 estados. Tratam de técnicas, táticas, preparação física e arbitragem. Outras novidades estão sendo avaliadas no país. Um software para captação de estatísticas de jogo, programado por uma empresa júnior do Instituto de Matemática e Estatística, está em teste na Escola de Educação Física e Esporte - ambas as instituições são da Universidade de São Paulo. Denominado FutePerforma, o software substitui a anotação de estatísticas em pranchetas. Funciona na Granja Comary uma escola de futebol, resultado de um acordo entre a CBF e a Universidade do Norte do Paraná, que transmite aulas participativas, on-line, para 27 estados Antes da partida, o operador registra no computador informações como a escalação das equipes, o local, o estado do gramado e esquemas táticos. Um sistema de coordenadas permite rastrear a posse de bola e teclas de atalho registram as características de cada jogada. Assim é possível obter estatísticas sobre dribles e roubadas de bola ou refazer a seqüência de um ataque. O software pode tornar mais precisa a avaliação do rendimento dos atletas. Conforto A aula inaugural da Escola de Futebol da Granja Comary e a comemoração da seleção brasileira pela vitória nas partidas eliminatórias para o Campeonato Mundial O sistema de produção da empresa é totalmente informatizado e ela trabalha com recorte a laser que permite todo tipo de contorno e corte vazado, além de evitar grossuras que possam incomodar ou irritar a pele. Na Alemanha, onde surgiram as chuteiras de cravo, hoje os futebolistas usam calçados macios, projetados para reduzir o impacto da corrida em sua estrutura óssea. Os tênis, que há pouco tempo tinham solado de borracha, atualmente são de diferentes tipos de plástico, o que melhora o desempenho e o conforto. Combinam com os gramados plásticos, que são uniformes e evitam contusões. A tecnologia está presente, ainda, nos ônibus que transportam os jogadores. A seleção Canarinho, na Alemanha, usará um veículo da brasileira Marcopolo - o Paradisso 1800. Com dois andares, tem sala de estar e de jogos com poltronas-leito revestidas de couro, sistemas de áudio e vídeo e duas geladeiras no piso inferior. Em cima tem 42 poltronas reclináveis, monitor de vídeo e forno de microondas. Tem mais Brasil na Alemanha. O Info Point, um terminal multifuncional de internet, oferece entretenimento e informações aos cerca de 10 mil brasileiros que estarão na sede do Mundial. Tem uma webcam e insere fotos em cartões-postais que podem ser enviados por e-mail. O MSN Brasil manterá blogs de sete grandes craques do futebol mundial, inclusive Ronaldinho Gaúcho, em tempo real. E os esportistas - eles mesmos, os sete que participam do blog - filmarão os bastidores das concentrações para exibição no site, com legendas em português. Haverá ainda outro tipo de cobertura da Copa. As cenas gravadas pela TV, reconstruídas em computadores e transmitidas poucos minutos depois, poderão ser baixadas em três dimensões para o celular. O usuário terá a opção de ver as jogadas de ângulos diferentes e até em câmera lenta. Além do futebol
Oferece cursos a árbitros, treinadores, dirigentes e profissionais do esporte. Desenvolveu um sistema de estatística e análise tática para que o técnico da seleção masculina, Bernardinho, tenha informações precisas sobre o comportamento dos jogadores em quadra e corrija possíveis falhas. A coisa funciona assim: há dois laptops, um que recebe informações sobre o desempenho dos atletas brasileiros e outro que armazena dados sobre o posicionamento e as jogadas do time rival. Tudo é repassado a outro computador, que fica no banco de reservas do Brasil. Um auxiliar de Bernardinho observa a tela e fala com o chefe, que recebe as dicas por um fone de ouvido. O esquema vem funcionando bem, como se pode conferir por meio dos resultados obtidos pela seleção muitas vezes campeã. O Hospital do Coração, de São Paulo, desenvolveu o Sport Check-up, um programa especializado em medicina preventiva do esporte. É uma ferramenta para técnicos, treinadores e profissionais de saúde que orientam esportistas. Em seis horas a pessoa se submete a uma bateria de exames e avaliações médicas que fornecem informações úteis para seu treinamento.
No final da maratona, a pessoa recebe seu prontuário gravado em CD-ROM. A febre da Copa anda tão alta que na maior rede de academias de São Paulo, a Bio Ritmo, surgiu uma nova modalidade de ginástica: o Futebio, uma aula que adapta os movimentos do futebol à sala de ginástica. Os professores, performáticos, usam uniforme e apito. Por falar em professor, aqui cabe uma aula do mestre Otávio Tavares, membro do grupo de pesquisa em Sociologia das Práticas Corporais e Estudos Olímpicos do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Ele explica:"Atualmente o investidor privado é um parceiro importante da organização esportiva. Enquanto Estados Unidos e União Soviética disputavam em todas as áreas, inclusive nas quadras, as empresas não se envolviam. A queda do regime soviético provocou alterações importantes nesse quadro. A transformação das competições em grandes negócios econômico- financeiros substituiu a Guerra Fria como motor da busca pela melhoria do desempenho. Indústrias de material esportivo e da construção civil são hoje as grandes investidoras no negócio esportivo". Sua análise continua. "Esse fenômeno provocou mudanças que merecem destaque:o desenvolvimento de novos materiais, como a 'pele de tubarão' na natação e calçados sob medida para atletas de ponta; novas instalações, como piscinas em que a água tem menos ondulação; pisos que aumentam a velocidade na pista de atletismo; lâminas superfinas na patinação de velocidade; transformação de estádios e ginásios em arenas multiuso e centros de negócios, com maior capacidade de geração de renda; instalações esportivas confortáveis com ingressos a preços elevados. "
Todavia, segundo Otávio Tavares, a transferência de tecnologia para países menos desenvolvidos é baixa. "Atletas com potencial, residentes em países pobres, precisam mudar para regiões mais ricas ou conseguir contratos de patrocínio com fabricantes de material esportivo para ter acesso a melhor tecnologia. " O Brasil e a Argentina podem ser ilhas isoladas de excelência no vôlei, no futebol, no tênis e no basquete, mas isso não atinge outras modalidades. Brasil e Argentina podem ser ilhas isoladas de excelência no vôlei, no futebol, no tênis e no basquete, mas isso não se estende a outras modalidades
No Brasil, a indústria nacional de material esportivo experimentou significativa evolução nos últimos 20 anos, mas se limita a esportes populares. "Temos um grande desafio: ações e políticas que garantam o acesso de todos os cidadãos aos benefícios da prática desportiva", diz Fernando Gripp Lopes, professor e coordenador do Centro de Educação Física da Universidade de Belo Horizonte (UNIBH) e das Faculdades Unidas do Norte de Minas (Funorte). Boas notícias: a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) lançou, no início de março, chamadas para a apresentação de projetos de pesquisa na área de tecnologia esportiva.
Treino da seleção feminina de voleibol do Brasil no Centro de Desenvolvimento de Saquarema, no Rio de Janeiro Há iniciativas também no Paraná. "Com o Paraná Digital e com a implantação de laboratórios de informática nas escolas, certamente haverá maior desenvolvimento tecnológico", diz Paulo Cezar Theodorovitz, professor de Educação Física e assessor da Secretaria de Estado de Educação de Foz do Iguaçu. Mais: em maio, o Ministério do Esporte promoverá em Brasília a II Conferência Nacional do Esporte. O objetivo é mobilizar a participação popular na construção de um sistema eficaz, democrático e moderno. Ninguém duvida do talento esportivo dos brasileiros. Resta criar um ambiente favorável e mostrar que a competência dos cientistas e pesquisadores - e a eficiência da indústria - podem ajudar os atletas nacionais a subir mais alto nos pódios de todo o mundo.
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