Comportamento - Um grau acima |
2006. Ano 3 . Edição 21 - 4/4/2006 A mentalidade do empresariado brasileiro está mudando, e para melhor. Diversos estudos mostram que a busca da inovação, a adoção de práticas transparentes de gestão, a responsabilidade social e a conquista do mercado exterior estão moldando um novo ambiente corporativo, onde o sucesso é perseguido sem abandonar a ética
Por Anderson Gurgel , de São Paulo*
O empresário e as empresas brasileiras estão mudando. A frase pode parecer marketing, mas é a constatação de uma transformação de fato nas práticas empresariais, ainda que ela não esteja generalizada, é verdade. O mundo corporativo, hoje, mais do que nunca, busca a inovação, aposta no fortalecimento do mercado de capitais, na exportação e em ações como a responsabilidade social para crescer e melhorar a imagem da empresa. Um estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) conclui que há fortes indícios de que a indústria brasileira elevou seu padrão de competitividade, com base na configuração de uma nova visão empresarial. Os resultados do trabalho serão apresentados no livro Tecnologia, Exportações e Emprego, a ser lançado pelo Ipea, e que foi organizado por João De Negri, diretor do Ipea, Lenita Turchi, diretora adjunta, e os pesquisadores Fernanda De Negri e Danilo Coelho. Governança O IBGC é pioneiro na defesa dessa mudança. O instituto viu um avanço expressivo nos últimos dez anos na evolução da gestão empresarial no Brasil, segundo a diretora executiva Heloisa Bedicks. "Há uma grande disponibilidade das corporações em investir na governança nos últimos anos; tanto que o IBGC criou, em 2005, um prêmio para auxiliar na divulgação desse conhecimento", diz. Para a diretora, houve também um grande amadurecimento do empresário brasileiro. "O interesse em entender e aplicar os princípios da governança corporativa é muito grande", afirma. Heloísa destaca ainda como um dos fatores de crescimento do IBCG a parceria com a Bovespa, após a criação do Novo Mercado e o índice Bovespa, que obrigaram as empresas de capital aberto a adequar- se às normas de governança corporativa. O grupo de empresas que mais inova no Brasil teve aumento de 29% no número de contratações entre 2000 e 2004, enquanto a média da indústria nacional f icou em 19% Exemplos Um dos destaques, a CPFL Energia S/A é uma holding que controla empresas e empreendimentos privados nas áreas de geração, distribuição e comercialização de energia elétrica. Criada no início do século XX, a CPFL passou por diversas etapas. Foi comprada por uma companhia norte-americana, depois foi estatizada e posteriormente, em 1997, privatizada para os acionistas que até hoje controlam a empresa:VBC, Previ e Petros, entre outros. Atualmente atende mais de 200 cidades paulistas. Para garantir um bom desempenho e a conseqüente boa remuneração aos sócios, os gestores da CPFL buscaram a excelência na administração.Marco da Camino Soligo, assessor de governança corporativa, revela que a empresa deu início à fase atual de preocupação com a aplicação das práticas de governança corporativa em 2002.
Inovação Uma grande aliada para sobreviver num ambiente cada vez mais competitivo é a inovação tecnológica,que tem conquistado espaço crescente na gestão de empresas no Brasil.A diretora adjunta do Ipea, Lenita Turchi, conta que o instituto está terminando um estudo, a ser divulgado ainda neste ano,que deve atestar justamente a existência dessa nova tendência nas empresas nacionais.“Estamos buscando índices científicos,por meio de pesquisas de campo e entrevistas, para traçar esse novo perfil”, afirma. Turchi diz ainda que é importante destacar que a inovação tecnológica traz,além de benesses financeiras óbvias,ganhos de capital humano.“As firmas inovadoras pagam melhor e oferecem mais vagas de trabalho, além de investir na qualificação de seu funcionário”, completa. Um bom exemplo de inovação está no trabalho do grupo Totvs S.A. Por meio de suas divisões, a Microsiga e a Logocenter, a empresa atua no desenvolvimento e comercialização de softwares de gestão empresarial integrada e na prestação de serviços ligados a esses produtos.Segundo o vice-presidente do grupo, José Rogério Ruiz,a tecnologia e a inovação estão no DNA da Totvs.“Nós trabalhamos com tecnologia, vendemos inovação tecnológica e acreditamos nesse potencial para oferecer produtos que atendam às necessidades do mercado”, pontua.
Fachada da CPFL Energia, uma das empresas consideradas exemplares, pela OCDE na aplicação da governança corporativa (à esquerda); central de atendimento da CPFL (à direita) Vale lembrar que a divisão Microsiga da Totvs ganhou, no começo deste ano, o prêmio do IBGC como melhor empresa não listada na bolsa de valores. Certamente, em 2007 a empresa não repetirá a dose, porque em março fez sua estréia no Novo Mercado da Bovespa. Ruiz diz que esse é um grande desafio, mas que o grupo está preparado. "Como adotamos há muitos anos os princípios de governança corporativa mesmo sem ter nosso capital aberto, estamos prontos para atuar nesse novo mercado", completa. Firmas inovadoras têm 16% mais probabilidade de serem também exportadoras Exportação O caminho lógico de uma empresa bem gerida e que investe em tecnologia é a busca da competitivade. Tanto dentro quanto fora do país. Por isso, um dos traços que distinguem o perfil das empresas inovadoras é a aposta na exportação. O Brasil tem se destacado no trabalho com o mercado externo, o que pode ser observado na pesquisa "Inovação tecnológica e exportação das firmas brasileiras", da pesquisadora Fernanda De Negri, do Ipea, no qual se constata que firmas inovadoras têm 16% mais probabilidade de serem exportadoras. Mesmo assim, ela ressalta, de antemão, que é importante ter em mente que boa parte do comércio exterior continua pautado pelo preço, e não pela inovação tecnológica. "O país ainda precisa inovar mais, criando produtos que sejam competitivos para exportação", afirma De Negri. Ela lembra que o Brasil é um tradicional exportador de commodities, tais como café, açúcar, soja e minérios, mas novas fronteiras têm sido abertas, como a alta tecnologia em aviação, exportada para todo o mundo, que é o caso da Embraer. Ela lembra que, além dos produtos de alta intensidade tecnológica, nos quais o país precisa investir mais, existem os de média tecnologia, como o setor de motores e peças automotivas, que se destacam nas vendas ao exterior. Outro ponto importante é que a exportação estimula, e muito, a nova mentalidade do empresário brasileiro. "Para exportar é preciso que a corporação adapte seus produtos às normas e padrões de qualidade exigidos pelo mercado internacional; isso tem levado, de fato, ao surgimento de um novo empresariado, mais consciente", diz Fernanda De Negri. É importante destacar também que a inovação pode se dar em processos ou produtos. "Em processos inovadores o Brasil se destaca mais" afirma a pesquisadora. Um exemplo, é a Companhia Vale do Rio Doce, que vem desenvolvendo novas tecnologias de refinamento de alguns minérios, aumentando assim sua capacidade exportadora. O diretor executivo de Finanças da Vale, Fabio Barbosa, lembra que a empresa vem apostando nos novos processos de refinamento de bauxita, elemento que produz o alumínio, para aumentar as exportações. "Investir em inovações tecnológicas sempre foi um diferencial da Vale para ser forte no mercado externo", afirma. Ele faz questão de lembrar que a aplicação das melhores práticas tem sido fundamental na gestão da Vale, facilitando a comunicação entre a administração e os investidores. "É preciso ter ética tanto para atuar no mercado interno quanto no externo; essa postura garante credibilidade à empresa", pontua. Firmas pequenas também apostam na exportação e na criação de novos produtos. Um bom exemplo é a Vitaderm, indústria paulista fundada como farmácia de manipulação. Com a linha Vita Amazônia, criada especialmente para o mercado externo e que usa componentes tipicamente brasileiros, como cupuaçu, andiroba e buriti, a companhia tem marcado presença nas exportações brasileiras. O presidente da empresa, Marcelo Schulman, acredita que melhores práticas e a inovação são o caminho para ganhar espaço. " Investimos em tecnologia e pesquisa para crescer nos últimos 20 anos", afirma. Ele ressalta ainda que a o desempenho dos produtos com a marca Vita Amazônia nos últimos três anos vem sendo melhor do que o esperado.
Responsabilidade Ainda assim ele alerta para a necessidade de despertar um número maior de empresas para a questão. Um dos termômetros dessa preocupação no Brasil é a criação do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), da Bovespa. A instituição financeira, em parceria com várias outras, como IBGC, IFC, Instituto Ethos e Ministério do Meio Ambiente, criou esse referencial para os investimentos socialmente responsáveis. Atualmente estão listadas nessa avaliação empresas como Itaú, CPFL, Bradesco, Gol, CCR, Natura, Perdigão, Embraer e Aracruz, entre outras. Já o Instituto Ethos nasceu exatamente com o compromisso de estimular e aferir como se desenvolve a ação social e ambiental das empresas.
A iniciativa, que começou em 1999 com 11 empresas, já conta hoje com mais de 1,1 mil associados. Esse crescimento acelerado levou a uma discussão dos conceitos. "O perigo é que nem para todas as empresas é clara a percepção do que seja responsabilidade social", alerta Barontini. " Muitas não são bem-intencionadas e associam a questão ao marketing. " A estudiosa Nathalie Beghin, pesquisadora do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), concorda com Barontini. Coordenadora de uma ampla pesquisa sobre a questão, realizada quando trabalhava no Ipea, Nathalie chama a atenção para o fato de que o investimento de algumas corporações na questão social ainda não seja tão transparente quanto deveria. "As firmas fazem propaganda de sua ação socioambiental, mas não contam exatamente para o público o que é feito nem o quanto é gasto nesses projetos", diz. No entanto, a pesquisadora do BID chama a atenção para o lado positivo da questão. " Há, sim, empresas que estão tentando fazer a diferença criando ações em seu entorno, como programas educacionais e ambientais", afirma. Nathalie lembra que as perspectivas são animadoras, já que existe no mercado uma série de ações e o número deve crescer com a expansão das melhores práticas. De fato, a pesquisa "Ação social das empresas", realizada por ela em 2000, mostrou resultados positivos. Das cerca de 4 mil empresas pesquisadas, mais da metade (59%) fazem algum tipo de ação social, sendo que cerca de 4,7 bilhões de reais (0,4% do PIB brasileiro) são aplicados em programas desse tipo. A pesquisa está na segunda edição e os resultados devem ser divulgados ainda neste ano. Barbosa, da Vale do Rio Doce, lembra que o investimento em responsabilidade social é fundamental para o crescimento de uma empresa séria, transparente e sustentável. " Nós, particularmente, temos um princípio de co-responsabilidade com as comunidades onde atuamos e, para agir nessa frente, criamos a Fundação Vale do Rio Doce", pontua. E complementa:"Escolhemos como foco de ação social a educação, que é a necessidade mais básica de uma comunidade para se desenvolver. Por isso, nossa fundação atua com o processo educacional de diversas comunidades dos locais onde temos pontos estratégicos de trabalho, como Barão de Cocais, em Minas Gerais, e Marabá, no Pará, entre outros". Os diversos exemplos apresentados nesta reportagem demonstram que um grupo de empresários e administradores atingiu um grau de amadurecimento inédito no Brasil, que os leva a buscar o sucesso por meio de práticas mais nobres, criando um ambiente melhor e mais moderno para o desenvolvimento da economia nacional. Essa nova mentalidade pode ser resumida nas palavras extraídas do estudo "Inovações, padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras", elaborado pelo Ipea:parcela do empresariado brasileiro, distanciando-se da recorrente passividade e tradicional dependência das iniciativas governamentais, começa a se conformar como um segmento que se dispõe a enfrentar e a se equiparar às melhores práticas da concorrência internacional, particularmente aquelas associadas à inovação tecnológica, com profundas conseqüências para a modernização de suas empresas. *Colaborou Helena Jacob
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