Chamada para artigos para o número 31, 2023/1
Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento Pós-Pandemia: desafios e oportunidades para o Brasil e o mundo
Chamada para artigos para o número 31, 2023/1
Tema: Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento Pós-Pandemia: desafios e oportunidades para o Brasil e o mundo
Período de submissão de artigos: 1 de dezembro de 2022 a 31 de janeiro de 2023.
Lançamento: abril de 2023.
O biênio 2019-2020 pode ser considerado um ponto de inflexão na cooperação internacional, em razão da crise multidimensional causada pela pandemia, que agravou a concentração de renda em escala mundial e trouxe novos desafios para diferentes atores internacionais. Tais mudanças inevitavelmente se refletem na operacionalização da Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento (CSSD). No Brasil, por exemplo, o Relatório COBRADI 2019-2020 produzido pelo IPEA computou uma queda de 43% no gasto brasileiro com essa atividade.
A CSSD possui rica trajetória nas Relações Internacionais pós-Segunda Guerra Mundial. Inicialmente orientada por uma visão de desenvolvimento calcada na desigualdade nas relações entre países do Norte e do Sul, as práticas de cooperação logo conheceram mudanças profundas a partir da aproximação entre países que recém adquiriram suas independências e aqueles que contestavam a ordem internacional vigente.
Durante a ordem bipolar, a mobilização política do então chamado “Terceiro Mundo” levou ao que hoje corresponde ao “Sul Global”. Ainda que iniciativas como Plano Colombo (1950) tenham precedência histórica, a Conferência de Bandung (1955) estabeleceu os pilares para a construção de relações políticas diferenciadas entre países do Sul. Após a formalização do bloco político internacional em 1961, com o Movimento dos Não Alinhados, os países do Sul Global propuseram uma visão diferenciada do sistema financeiro e comercial internacional, conduzindo à criação do Grupo dos 77 (G77) em 1964 e à adesão da China. Posteriormente, foi adotada uma visão da Nova Ordem Econômica Internacional pela Assembleia Geral da ONU, em 1974 (A/RES/S-6/3201). A década de 1970 encerraria a primeira fase da CSSD com uma delimitação de fronteiras entre a cooperação político-econômica e a Cooperação Técnica para o Desenvolvimento (CTPD) com o Plano de Ação de Buenos Aires, de 1978.
Com as dificuldades econômicas e retrocessos na agenda de desenvolvimento na maioria dos países do Sul Global, a segunda fase da CSSD nos anos 1980 foi marcada por um processo mais lento de avanço na agenda política e econômica. A oitava rodada de negociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio (Rodada do Uruguai) foi um dos eventos mais expressivos do período. Já o início da década de 1990 foi marcado pela adoção do conceito de desenvolvimento sustentável e pela realização da Cúpula da Terra, também denominada Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, ou Rio 92. Porém, da mesma forma, a década de 1990 tampouco contribuiu de forma substantiva para o avanço da maioria dos temas em CSSD, com exceção da forte tendência de criação e consolidação de blocos regionais político-econômicos, como foi o caso do Mercosul (1991).
A virada do milênio e a reestruturação do Sistema das Nações Unidas, contudo, trouxeram inovações consideráveis para a agenda global de desenvolvimento, marcando o início da terceira fase da CSSD. Se os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) contribuíram para orientar parcialmente os esforços globais de financiamento e gestão de projetos de desenvolvimento, o contexto econômico global favorável para as economias dos países em desenvolvimento permitiu que, novamente, a CSSD recebesse atenção e energias redobradas.
Em sua terceira fase, a CSSD foi acoplada pelos países do Sul a uma estratégia mais ampla de contestação da ordem econômico-política global, promovendo estruturas de representação em fóruns globais tradicionalmente dominados por países do Norte (ex: G7), estruturas próprias de financiamento de projetos comuns (ex: BRICS), além de diversos fóruns de coordenação política multilateral (ex: IBAS), regional (UNASUL) e canais de diálogo entre regiões do Sul Global (ex: Cúpula dos países da América do Sul e dos Países Árabes, e dos países da América do Sul e Países Africanos).
A Cooperação Internacional para o Desenvolvimento do Brasil (CIDB) é tradicionalmente um dos instrumentos da política exterior do país, sendo a CSSD bilateral/trilateral uma de suas vertentes. Embora sempre demonstrando participação central nas iniciativas e agendas de CSSD, o Brasil foi um dos países que apostou ativamente em parcerias com países Sul Global como estratégia de inserção internacional e forma de influenciar regras e normas internacionais. Entretanto, e ainda que as três dimensões da CSSD conhecessem considerável avanço durante a sua terceira fase, a Cooperação Técnica para o Desenvolvimento (CTPD) Brasileira com países do Sul apresentou expansão considerável, conforme capturado nos relatórios concernentes à Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional (COBRADI) elaborados regularmente pelo IPEA desde 2010. Para o Brasil, a CTPD também foi um dos meios para promover a CSSD e a ampliação da influência global do país, temas para o qual a Agência Brasileira de Cooperação (ABC/MRE) possui papel de destaque, atuando com uma vasta rede de políticas (policy network) composta por atores públicos, privados e da sociedade civil brasileira.
Tendo em vista o advento de uma nova e ambiciosa iniciativa global encarnada na Agenda 2030 e materializada nos dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), ampliando a agenda anterior ao incluir de maneira mais enfática temas como ciência, tecnologia e proteção dos oceanos, discute-se se a CSSD estaria entrando em uma quarta fase. O contexto político pós-2015, contudo, é radicalmente diferente do início do milênio, sendo marcado pela ascensão de governos conservadores em vários países desenvolvidos e em desenvolvimento, bem como reformas importantes na arquitetura institucional de cooperação, as quais podem ser atribuídas, em grande medida, ao crescente protagonismo da China na agenda do desenvolvimento internacional. A orientação de política exterior frequentemente colide com as regras e práticas multilaterais em favor de interesses e agendas nacionais de curto prazo, reacendendo conflitos históricos em regiões estáveis (ex: Guerra na Ucrânia) e ocasionando crises econômico-financeiras que colocam em risco a vida digna dos povos do planeta, em todos os continentes. Adicione-se a esse contexto o desafio da pandemia ocasionada pelo vírus SARS-CoV2. A Pandemia representou ao mesmo tempo o maior desafio coletivo enfrentado pelos povos desde a Segunda Guerra Mundial e um dos maiores fracassos em nível de coordenação política internacional contemporâneo para a garantia de justiça e equidade no acesso a medicamentos.
Neste sentido, propõem-se as seguintes perguntas: (i) Qual o lugar da Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento frente aos atuais desafios da agenda política internacional? (ii) Quais os principais avanços e retrocessos? (iii) Como as estruturas institucionais criadas na terceira fase da CSSD poderiam apoiar a atual coordenação política e econômica entre países do Sul? (iv) Como criar métricas comuns para quantificar e avaliar os efeitos da CTPD entre países do Sul? (v) Qual o papel do Brasil na agenda atual de CSSD? (VI) Quais atores têm liderado agenda de Cooperação Sul-Sul? (VII) Quais reformas da arquitetura, agência, processos, etc. seriam prioritários para o debate interdisciplinar?
Este número da Revista Tempo do Mundo será coordenado pelas(os) professoras(es) Rafael T. Schleicher (IPEA e Fiocruz), Ana Flávia Barros-Platiau (UnB) e Iara Leite (UFSC). Os artigos submetidos para o volume serão recebidos de 1º de dezembro de 2022 até 31 de janeiro de 2023. A previsão de lançamento da edição da revista é abril de 2023.