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CARDOSO, A. et al. Ouvidoria Pública e Governança Democrática

 

CARDOSO, Antonio S. et al. Ouvidoria Pública e Governança Democrática. Boletim de Análise Político-Institucional. n.1. Brasília : Ipea, 2011.

 

INTRODUÇÃO

Um tema central nas atribuições e no trabalho realizado pelas ouvidorias é a questão da autonomia. Levando em consideração a sua natureza de contrapoder (poder que visa moderar o próprio poder) e sua finalidade de contribuir para o amadurecimento da democracia participativa no Brasil, o tema da autonomia é uma questão da maior relevância. Não é possível pensar a razão de ser destas instituições sem levar em consideração a sua condição de autonomia.

Considera-se, neste artigo, que a autonomia de uma ouvidoria possui duas dimensões: i) a arquitetura de um ato normativo que permita o livre pensar e agir de seu dirigente; e ii) mecanismos de escolha que possam garantir um dirigente esclarecido e livre. Os atos normativos são instrumentos legais que preveem as atribuições da ouvidoria em particular, bem como a sua administração interna. Assim, no próprio ato normativo já é possível identificar uma questão fundamental para a autonomia da ouvidoria: o mecanismo de escolha, isto é, o modo como é definido o ouvidor votação, indicação, decisão interna ou externa etc.

Este trabalho busca responder a questões referentes ao problema da autonomia e do controle externo das ouvidorias públicas, além de indicar encaminhamentos institucionais para assegurar a estas ouvidorias aquilo que realmente se atribui a elas. Uma condição importante para avaliar o grau de autonomia destas instituições diz respeito ao modo como elas incorporam práticas de accountability em suas ações. A noção de accountability está ligada fundamentalmente à cidadania ativa, envolvendo tanto a responsabilização dos gestores quanto a participação da sociedade na democratização das instituições. No âmbito das ouvidorias públicas, a questão da accountability diz respeito às práticas de controle social que assegurem um canal eficiente de interação entre a sociedade e a gestão governamental, como legislação democrática, facilidade de acesso para a população, tramitação transparente e impessoal das manifestações, disponibilização de dados etc. (Serra et al., 2012).

A consolidação de práticas de accountability na gestão das ouvidorias públicas evita a concentração de poder nas camadas superiores das instituições, abrindo espaço para a participação social dos cidadãos. Afinal, para que o ouvidor ofereça respostas positivas às demandas da sociedade é fundamental que possua instrumentos efetivos para o exercício pleno das funções a ele atribuídas. Neste caso, a accountability pode ser considerada um exercício de poder e gestão da burocracia pelo cidadão. Para que a ouvidoria pública exerça o seu papel de instância de participação democrática, orientada para atender às demandas do cidadão, é fundamental que tenha autonomia e accountability.

Para Campos (1990), as estruturas burocráticas do Estado trazem consigo a necessidade da proteção dos direitos do cidadão contra o abuso de poder pelo governo ou por qualquer indivíduo investido de uma autoridade pública. Na proporção em que as organizações oficiais aumentam seu tamanho, complexidade e penetração na vida do cidadão comum, cresce também a necessidade de salvaguardá-los frente à concentração de poder nas mãos dos servidores públicos, quando estes não são representantes ativos dos cidadãos. A inexistência de controle efetivo e de penalidades aplicáveis ao serviço público, em caso de falhas na execução de diretrizes legítimas, enfraquece o ideal democrático do governo pelo povo, porque expõe os cidadãos aos riscos potenciais da burocracia (Campos, 1990, p. 4).