Múltiplas crises desafiam o arcabouço vigente de políticas e instrumentos para o desenvolvimento regional no Brasil
Estudo do Ipea aponta a base de conhecimento, a inovação tecnológica e a transição para uma matriz energética sustentável como essenciais para reverter o quadro
Publicado em 21/06/2023 - Última modificação em 21/06/2023 às 15h34

Helio Montferre/Ipea com I.A.
Recessão econômica, crise de representação política, reformas institucionais, desajustes e desmontes de políticas têm sido uma constante no Brasil da última década, que se somam a eventos imprevistos como mudanças climáticas abruptas e a crise da Covid-19. Esses acontecimentos afetam a permanência de políticas, inclusive as de dimensão territorial (regional, urbana e rural). Um texto para discussão publicado nesta quarta-feira (21), pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) analisa as implicações das múltiplas crises sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) desde meados da década de 2000.
Segundo os autores do estudo “Políticas territoriais em tempos de múltiplas crises: desafios e perspectivas para o Brasil na década de 2020”, de um lado, essas crises exigem que os governos atuem para reduzir danos e prejuízos sofridos por grupos de pressão por meio da realização de gastos compensatórios ou de investimentos anticíclicos. Por outro lado, tendem, em direção contrária, a reduzir a capacidade de gastos públicos, por causa da queda na arrecadação tributária geral, aprofundando ainda mais os efeitos negativos da recessão inicial. No plano mais geral, torna-se imperativo o esforço de garantir as capacidades estatais para o planejamento e implementação de políticas.
A Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), atualizada pelo Decreto nº 9.810, de 2019, representa instrumento legal que baliza a ação em busca da redução das desigualdades econômicas e sociais, intra e inter-regionais, por meio da criação de oportunidades de desenvolvimento que resultem em crescimento econômico, geração de renda e melhoria da qualidade de vida da população.
Nesse panorama, uma das recomendações do texto é de que a PNDR busque a realização de uma mudança estrutural voltada para inovação tecnológica, elevação da produtividade média dos setores produtivos e para a transição para uma matriz energética ambientalmente sustentada. Uma das diretrizes elencadas como ponto de partida pelos pesquisadores é voltada aos bancos públicos regionais, que devem ser encorajados a identificar e apoiar atividades com potencial incorporado de conhecimento e inovação, assim como investir naquelas ligadas ao paradigma da transição energética e sustentabilidade ambiental.
Outra sugestão diz respeito ao potencial instalado de conhecimento no ensino superior e na pós-graduação. O estudo evidencia, por exemplo, que as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste apresentaram 38% da totalidade nacional de Instituições de Ensino Superior (IES) e do número de matrículas realizadas em 2018. Na opinião dos pesquisadores, esse cenário deve facilitar a execução de estratégias de desenvolvimento científico e tecnológico voltado à inovação nos sistemas produtivos regionais.
Já o tema da governança no âmbito da PNDR necessita adquirir maior centralidade em qualquer retomada da política. Segundo os autores, o debate conceitual e metodológico deve se abrir para novas perspectivas vindas dos estudos da administração pública, com vistas à superação de entraves de coordenação e implementação ainda existentes. Outra questão apontada trata da necessidade de se elaborar um marco metodológico que incorpore a complexidade e o alcance do problema das desigualdades regionais, como forma de subsidiar um processo de aproximação com as unidades do Estado brasileiro responsáveis pela etapa de avaliação da PNDR.
De acordo com os autores, Aristides Monteiro Neto, Lucileia Aparecida Colombo e João Mendes da Rocha Neto, em conjunturas ou ambientes muito conturbados nos quais as condições elementares para a tomada de decisão não se encontram disponíveis ou estão sendo violentamente contestadas, o esforço político (politics) para recuperar a política pública (policy) deve estar centrado na sua legitimidade e representatividade.
O texto nota que as transformações recentes observadas por teóricos da ciência política sobre a democracia são imprescindíveis para analisar com cautela os rumos das agendas governamentais formadas nesse contexto. Pensadores dedicados ao tema nos países europeus, por exemplo, consideram que as crises da democracia liberal observadas com a ascensão de políticos de extrema direita como Viktor Orbán na Hungria, Donald Trump nos Estados Unidos, Recep Erdogan na Turquia e Rodrigo Duterte nas Filipinas, entre outros, não são fenômenos isolados, mas representam alterações profundas na forma de relacionamento dos cidadãos com a política.
Já no Brasil, as análises realizadas, somadas aos dados apresentados pelo Latinobarômetro demonstram um afastamento significativo dos brasileiros do mundo da política, uma descrença na representatividade e uma insatisfação crescente com a democracia. O texto pondera que tais questões levantam dúvidas sobre a condução de políticas em geral e das territoriais em particular, as quais vinham até pouco tempo atrás sendo processadas dentro de uma lógica participativa, calcada em valores de controle social, especialmente as relacionadas com as desigualdades regionais.
Por fim, os autores concluem que o arcabouço legal discutido no processo constituinte e consagrado pela Constituição Federal de 1988 para a implementação de políticas públicas tem se deparado desde 2015 com um ambiente político-institucional de ameaças e contestações à sua continuidade e existência, sendo a paralisia decisória em alguns casos ou o desmonte premeditado em outros casos, suas expressões mais visíveis.
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