“Não há desenvolvimento sustentável sem igualdade étnico-racial”, afirma presidenta do Ipea em missão no Chile
Presidenta Luciana Santos Servo reforça a necessidade da transversalidade da questão racial com os objetivos de desenvolvimento sustentável
Publicado em 02/04/2025 - Última modificação em 02/04/2025 às 17h13

Fotos: Thaylyson Martins
Até 04 de abril, é realizada no Chile a 8ª reunião do Fórum dos Países da América Latina e do Caribe sobre o Desenvolvimento Sustentável, na sede da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), em Santiago do Chile. Na abertura o evento, na segunda-feira (31), foi organizado em paralelo o seminário “Capacidades estatais para o desenvolvimento sustentável com justiça étnico-racial”, com representantes do Brasil e da Universidade do Chile.
Na ocasião, a presidenta do Ipea, Luciana Mendes Santos Servo, destacou o papel da produção de dados com qualidade e das políticas públicas para garantir avanços concretos nessa agenda, com foco na igualdade étnico-racial. Ela apresentou o histórico do compromisso do Brasil com a Agenda 2030, desde 2015, com a designação do Ipea e do Instituto Brasileiro de Geogr_afia e Estatística (IBGE) para avaliação e monitoramento de indicadores para compor o Relatório Nacional Voluntário, documento que indica os esforços do país em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), editado pela primeira vez em 2017.
Luciana relatou o desmonte do compromisso com a agenda após mudança de orientação política, a partir de 2017. “Nesse período, houve governança da agenda sem o governo. A sociedade civil foi imprescindível para a continuidade do compromisso na produção de dados, como o Relatório Luz que mostrou, inclusive, apontando que o distanciamento do Estado implicou em retrocesso nos indicadores”.
Segundo ela, em 2023, foi retomado o compromisso com a Agenda 2030 com a formação da Comissão Nacional para os ODS, que conta com a participação de todos os ministérios do governo federal, estruturada de maneira paritária e com presença ativa da sociedade civil. A comissão tem um papel essencial na troca de ideias e no monitoramento das ações governamentais, possibilitando a orientação das políticas sob o enfoque da justiça social e igualdade étnico-racial.
Dentre as iniciativas em andamento, Luciana exemplificou as câmaras temáticas da Comissão, dedicadas aos povos e comunidades tradicionais e indígenas. Essas câmaras visam dar maior visibilidade às discussões sobre igualdade racial para que seja tratada como o princípio estruturante das políticas públicas no Brasil.
Outro ponto ressaltado foi a necessidade de fortalecer a produção de dados para o monitoramento dos ODS. Ela mencionou a importância do Informe Nacional Voluntário, que em 2026 trará um destaque especial para o ODS 18, reafirmando o compromisso do Brasil com a equidade racial.
A territorialização da Agenda 2030 também foi apontada como uma estratégia-chave para garantir que os ODS sejam incorporados às políticas locais. O programa "Meu Município pelos ODS" está mobilizando diversas instituições, incluindo bancos de fomento e empresas estatais, para apoiar estados e municípios na implementação das metas da agenda global.
Metas da Agenda 2030 e questão racial no Brasil
A presidenta do Ipea informou também sobre a situação atual do Brasil no monitoramento dos dados sobre os ODS. Atualmente, das 169 metas estabelecidas, apenas 14 apresentam bom desempenho, enquanto 35 demonstram evolução, 26 estão estagnadas e 23 retrocederam. Além disso, 71 metas não possuem informações sistemáticas. "O monitoramento e o acompanhamento da Agenda 2030 exigem uma produção de informação de qualidade, com intencionalidade e capacidade do Estado de incentivar a coleta de dados em conjunto com demais atores da sociedade", afirmou.
Dados recentes mostram que as desigualdades raciais no Brasil persistem em diversas dimensões. Em relação à pobreza extrema, a população negra apresenta índices que representam mais que o dobro dos brancos. No setor educacional, a diferença também é significativa: enquanto a média de anos de estudo entre brancos é de 10,2 anos, entre negros esse número cai para 8,4 anos. A taxa de jovens brancos que completam o ensino médio é de 70,5%, enquanto para negros é de 56,3%. No ensino superior, apenas 10,8% da população negra tem diploma universitário, contra 26,4% dos brancos.
Na saúde, a meta global de redução da mortalidade materna para 70 mortes a cada 100 mil nascidos vivos ainda está distante para a população negra brasileira. A meta nacional prevê um limite de 30 mortes, mas em 2022 o país registrou 57,7 mortes por 100 mil nascidos vivos. Quando se observa os dados sobre as mulheres negras, esse índice é ainda mais alarmante, chegando a 100,38.
A violência letal no Brasil também reflete as desigualdades raciais. Segundo dados apresentados no seminário, o país registrou 47 mil assassinatos em 2021, sendo que 78,5% das vítimas eram pessoas negras. Embora a taxa geral de homicídios tenha caído 9,4% entre 2011 e 2021, a redução foi menor entre a população negra, ficando em apenas 3,7%. "O Brasil é reconhecido pelo genocídio de jovens negros", afirmou Servo, ressaltando que a alta mortalidade por violência tem um recorte racial evidente.
Roberta Eugênio, secretária executiva do Ministério da Igualdade Racial, abordou o papel do Estado no combate às desigualdades raciais. Segundo ela, a persistência dessas desigualdades está diretamente ligada ao legado histórico do colonialismo e à manutenção de estruturas de exploração econômica racial.
“A relação entre o trabalho não remunerado e os aspectos fenotípicos foi estruturada desde as expedições coloniais do século XV. Essa prática afetou não apenas as relações sociais, mas também as condições de trabalho e de acesso à cidadania plena para a população negra”, explicou Eugênio, citando a teoria da colonialidade do poder do pensador peruano Aníbal Quijano.
A secretária alertou sobre a necessidade de implementar políticas públicas que corrijam essa desigualdade histórica e promovam a equidade racial como eixo estruturante do desenvolvimento sustentável.
ODS 18: Combate à desigualdade étnico racial
O seminário reforçou a necessidade de que a equidade étnico-racial seja um tema central para toda a América Latina, envolvendo Estados, sociedade civil e setor privado. A proximidade com organismos regionais, como a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), foi apontada como uma oportunidade para aprofundar as trocas de experiências e fortalecer o compromisso com a Agenda 2030.
O Brasil tem trabalhado para incorporar uma abordagem mais ampla na análise dos ODS, incluindo a questão racial desde 2023, quando o governo federal reforçou a intenção de criar o ODS 18, voltado para a redução das disparidades étnico-raciais, que perpassam todas as demais metas da ONU.
O ODS 18 é uma iniciativa voluntária do Brasil para colocar o combate ao racismo no centro dos esforços para o desenvolvimento sustentável e para o alcance da Agenda 2030. A iniciativa tem sido liderada por câmara temática da Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (CNODS) e pelo Ministério da Igualdade Racial, contando com participação ativa do Ipea.
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